opinião

Artigo: Os tempos pandêmicos são insuportáveis para a advocacia

Correio Braziliense
postado em 13/08/2021 06:00

TÉCIO LINS E SILVA*

Dia desses, vendo uma sessão no tribunal tinha lá um juiz de camisa Pollo, tudo bem, nada contra a vestimenta, mas é o respeito mínimo das chamadas vestes talares. Hoje, todos os juízes fazem as suas exceções com as capas. Os advogados não usam becas porque pelo Brasil afora não tem. Nos tribunais tem beca para os advogados de defesa. Enfim, são atitudes que a pandemia da covid-19 e “esse novo normal” trouxeram e que continuam a ameaçar como a questão do júri e mais, a questão do cárcere.

Os juízes condenam mais do que absolvem, e essa insensibilidade que a Justiça criminal tem, que se acostuma a condenar os pobres. A clientela do sistema penal é predominantemente os mesmos injustiçados de sempre: negros e pobres. As cadeias estão cada vez mais cheias, e o discurso da direita penal é: “precisa prender mais, o Brasil prende e condena muito pouco”. Mentira, é a segunda população carcerária do mundo. E qual é o cheiro do cárcere? É o cheiro da miséria. O maior covidário desse país são as prisões. E os juízes continuam e a Justiça continua mandando para as prisões.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) recomenda cautelas na prisão preventiva, recomenda, claro, não pode determinar o comportamento dos juízes — que são independentes — recomenda o cumprimento da pena domiciliar, do semiaberto, enfim, não mandar para as prisões, para diminuir. É pouco. E aí, é uma outra questão mais complicada, mas, grosso modo, dizer que o covidário nacional continua sendo abastecido da clientela cada vez maior. E a responsabilidade é do Poder Judiciário e é, em grande parte, do Ministério Público Federal e do Ministério Público dos estados que, muitas vezes, pedem a prisão e a condenação sem o menor senso, sem a menor consciência do que isso significa, não só para o cidadão, mas para as famílias, para o convívio social que, muitas vezes, é uma pena de morte, pois vai morrer de covid.

Outra questão ameaçada pela pandemia é o júri, que é assegurado na Constituição Federal e lá está inscrito entre os direitos e garantias do artigo 5º e inciso XXXVIII. Como é que pode o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) estabelecer que vai ser assim, vai ser assado, regulamentar a estrutura de uma instituição que está em sede constitucional? Como pode essa mudança nos ritos? E esse botãozinho terrível de cortar o som e que a ditadura, muitas vezes imposta por aqueles que não têm respeito pela defesa, aperta e tira do ar, seja o advogado, o Ministério Público ou qualquer outra manifestação?

Tira-me o sono imaginar que tem resolução do CNJ dispondo sobre o júri virtual. Como é que o júri, que tem essa construção física, necessária para o embate, para o debate, como é possível imaginar que isso vai ser feito virtualmente? Com o réu em casa ou no presídio? O juiz em home office e o advogado também? E os jurados? Por que não pode aglomerar os sete cidadãos quando o júri entra pela noite? Não há a incomunicabilidade assegurada.

O que eu quero contribuir com a experiência de quem passou 20 anos advogando nas Cortes Militares na ditadura e que posso ser testemunha do quanto de respeito ali nós conquistamos, os poucos advogados que se atreveram a enfrentar a defesa dos perseguidos políticos. Eram tempos muitos difíceis, porque cassaram três ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e muitos juízes. Eram tempos inacreditáveis e, agora, a gente tem até medo de que voltem.

Portanto, fico comovido em poder desabafar algum sentimento de um rábula criminal, de um advogado que vive o dia a dia da Justiça há quase 60 anos, sou produto desse ambiente, estreei no júri em 1965. E sofro com o vírus pelo que ele está causando e pelo pretexto que muitos se utilizam para não receber advogado, para trabalhar menos, para disfarçar um pouco a sua incompetência. E sobrecarregando juízes admiráveis.

Tenho um respeito imenso pela atividade da magistratura. Mas tenho visão crítica em relação a uma parte, que não assume os seus compromissos. É uma forma muito simples e direta de colaborar e contribuir, extravasando o coração em homenagem aos profissionais da justiça, aos advogados e à democracia que amamos e queremos ver triunfar nesse país, sobretudo no momento em ela está sofrendo agravos muito sérios, mas nós temos que resistir.

*Advogado, jurista, professor, ex-secretário de Justiça do Estado do RJ, colaborou na elaboração do Código Penal Brasileiro, ex-presidente do Instituto do Advogado Brasileiro (IAB)

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