RENATO FERREIRA*
Nas universidades brasileiras, as políticas de cotas promovem a entrada de milhares de negros na graduação. Muitos desses, após terminarem o curso, gostariam de seguir a carreira acadêmica como pesquisadores e professores universitários. Para isso, precisariam ingressar na pós-graduação stricto sensu (mestrado e doutorado), mas o processo seletivo para esses cursos é complexo e muito mais excludente com candidatos negros e indígenas.
No Brasil, o número de negros pesquisadores e professores universitários é ínfimo. De acordo com dados do Ministério da Educação, 53% dos professores universitários são brancos, 14%, pardos e apenas 2%, pretos. Para promover o ingresso de afro-brasileiros nesse segmento da elite, seria necessário, além de ação afirmativa, que as universidades criassem cursos de preparação. Infelizmente, pouquíssimas instituições têm desenvolvido esse tipo de ação.
Para mudar essa realidade, e dada a minha carreira de pesquisador especialista em diversidade racial, com assessoria para as Nações Unidas em direitos de minorias, criei, em parceria com a Educafro, o Saber Afirmativo, um projeto para capacitar pessoas negras a concorrerem à pós-graduação com uma metodologia antirracista. Logo, mais de 50 alunos se inscreveram na terceira turma do curso, que é sem fim lucrativo e tem aulas remotas baseadas em temas afetos às relações raciais.
A advogada Renata Shaw, ex-aluna, ingressou no mestrado em sociologia e direito na Universidade Federal Fluminense. Verônica Pinheiro, aluna do curso, é professora da rede municipal do Rio de Janeiro e pretende cursar o mestrado em relações raciais. “Eu tinha muitas ideias, mas percebi que precisava de ajuda profissional para transformá-las num projeto de pesquisa. O curso Saber Afirmativo tem encontros acolhedores, a metodologia é sistematizada, de modo que eu possa desenvolver as habilidades fundamentais para entrar no mestrado.” Já Maria Izabel Sales, de Brasília, que é bacharel em direito, faz parte do curso e sonha com o mestrado em ciências jurídicas da Universidade de Brasília. “Ter mestres e pesquisadores negros e negras é fundamental para o desenvolvimento econômico e social do país.”
Com longa experiência em consultoria para estudantes negros que querem a pós-graduação, noto que o acesso e a permanência desse grupo na academia sempre foi muito difícil. A situação fez com que alguns acadêmicos e instituições do Movimento Negro levassem a demanda ao MEC que, em 2016, editou portaria prevendo ações afirmativas para a inclusão de negros, indígenas e pessoas com deficiência nos programas de pós-graduação. Essa ação foi muito positiva e propiciou que dezenas de instituições adotassem cotas no mestrado e doutorado. O problema é que tal medida não veio acompanhada de cursos preparatórios para negros ou programas de bolsas de pesquisa. Como se sabe, a disputa por esses cursos e por bolsas é extremamente acirrada, envolvendo provas de línguas, de conteúdo, elaboração de um projeto de pesquisa e aprovação em entrevista.
Passar por esse processo sem apoio institucional é algo muito difícil, ainda mais quando o candidato tem como objeto de estudo a temática racial. Na maioria das vezes, os candidatos negros não conseguem ser aprovados, o que gera uma discriminação por impacto desproporcional refletida no baixo número de pesquisadores negros nas universidades, mesmo após 20 anos da adoção do primeiro sistema de cotas raciais.
Jackson Quitete, bacharel em direito e ex-aluno, afirma que viu muitos candidatos negros sendo reprovados na entrevista. “Fui estudante cotista, passei por três programas de mestrado em universidades federais. Acho importante que pessoas negras estejam na academia, além da representatividade, precisamos estar neste lugar.” Ana Paula Embaló, educadora em Niterói, aluna do curso, em busca do mestrado em segurança pública, afirma que é necessário ter mais pessoas negras na pesquisa para romper com o imaginário de inferioridade intelectual dos negros. Já Renato Gonçalves, cientista social de São Paulo, pretende fazer mestrado em sociologia. Ele quer investigar a relação entre o racismo e o pensamento conservador.
O professor Cleber Santos Vieira, que é presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros, ressalta que as universidades deveriam promover mais políticas de incentivo aos pesquisadores negros, além da graduação. Para quem quiser participar do projeto Saber Afirmativo, as inscrições estão abertas até 22 de agosto neste link.
*Advogado, mestre em políticas públicas; professor de direito constitucional; especialista em direito e relações raciais
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