PEDRO LUIZ RODRIGUES*
Se os diplomatas tivessem prevalecido sobre os belicistas, os Estados Unidos (EUA) e seus aliados não teriam cometido o duplo desatino de invadir o Afeganistão (2001) e o Iraque (2003). Se assim tivesse sido, não teriam sido convidados a se retirar de Bagdá, nem estariam agora sendo escorraçados de Cabul — acompanhados de seus aliados — pelos mesmos inimigos que tentaram eliminar.
A organização e a rapidez do talibã demonstram que foi inócuo o exercício militar ocidental. Desfecho similar, ainda que mais honroso, sofreram os britânicos nas mãos dos afegãos nos séculos 19 e 20. Nos anos 1980, os invasores soviéticos russos foram também postos para correr.
O New York Times considerou o desfecho do episódio afegão — com altíssimo custo em vidas e recursos — uma tragédia para os Estados Unidos, por demonstrar que os EUA não são a nação indispensável que imaginam ser, com mandato de intervir em qualquer parte do mundo para defender direitos civis, empoderamento das mulheres e tolerância religiosa.
Essas intervenções, feitas sob pretextos muito ralos (no caso do Iraque, pretextos falsos), além de não lograrem os objetivos propostos, só fizeram aumentar a instabilidade política numa região já conturbada e a desmoralizar os interventores.
No caso do Iraque, alguns advertiram, nos EUA, que se a situação era má com Saddam Hussein, pior ficaria sem ele. Foi o que aconteceu. Mas quem ganhou foram os belicistas que cercavam o presidente (o vice-presidente Dick Cheney, o secretário de Defesa Rumsfeld e o general-secretário de Estado Colin Powell), tendo sido suprimidas as vozes opositoras, internas e externas.
Para a cruzada contra o Iraque, em 2003, Bush conseguiu o apoio de países do Reino Unido, da Dinamarca, da Austrália e a da Polônia. No curso da ocupação do país, se juntariam a Itália, a Coreia do Sul, a Dinamarca, Portugal, a Geórgia, a Ucrânia, os Países Baixos e a Espanha. O saldo dessa aventura desnecessária foi de 51 mil mortos, a maior parte dos quais, claro, iraquianos.
Saddam foi preso e executado em 2006. Era quem conseguia manter o país unido. Sem ele, instalou-se a guerra civil e abriu-se espaço para a instalação do Estado Islâmico, uma organização jihadista (praticante da guerra religiosa), de orientação salafita (sunita ortodoxa e wahabita).
Dois anos antes, em 2001, sob o pretexto de que os talibãs davam abrigo a Osama bin Laden (o autor do atentado às torres gêmeas de Nova York, em setembro de 2001, e que acabaria sendo morto por um comando de mariners no Paquistão, 10 anos depois), George W. Bush formou uma primeira cruzada contra o Afeganistão, de início com a presença como aliados da Inglaterra, Alemanha, Canadá e Austrália, depois alargada com tropas de dezenas de outros países, todos agora abandonando atabalhoadamente o território afegão.
A primeira invasão do Afeganistão por forças ocidentais ocorreu no século 4 antes de Cristo, encabeçada pelo macedônio Alexandre Magno, fundador das cidades que são hoje Kandahar e Herat.
Mas Alexandre — assim como os invasores ocidentais de tempos posteriores — viu seus movimentos dificultados pelo terreno (montanhoso e seco) e, de começo, não conseguiu deslocar Bessus de sua fortaleza nas montanhas. Na busca da vitória, Alexandre tentou amealhar a simpatia dos súditos do imperador, tendo se casado com uma filha de Dario, Statera, e com uma princesa bacteriana, Roxana. Mas Roxana, como boa afegã, era osso duro de roer, tendo assassinado Statera. Mas a estratégia de Alexandre acabou dando certo, e Bessus lhe foi entregue por chefes militares, para ser torturado e morto.
Somente no século 19, ocidentais e afegãos — já muçulmanizados — voltariam a se confrontar. O gatilho, desta feita, relacionava-se à preocupação geopolítica da Inglaterra com a expansão da influência russa na Ásia Central. O potentado colonial britânico na região, o governador-geral da Índia, George Eden, apresentou, em 1838, um ultimato ao Doste Maomé Cã, que o rejeitou. O exército britânico invadiu então o Afeganistão, ocupou Cabul e prendeu Maomé Cã. Mas a sensação de vitória durou pouco: seu filho e sucessor, Akbar, acabou por expulsar os britânicos.
As relações entre ingleses e afegãos continuaram tensas por muito tempo, até a situação política instável no Afeganistão levar à nova invasão britânica, em 1878, sendo Cabul ocupada no ano seguinte. Em 1880, a Grã-Bretanha deixou o país, espontaneamente.
As tropas britânicas voltam quando o Afeganistão se declarou independente em 1919. Os afegãos provocam, ocupando a cidade de Bagh, no Raj britânico guerra que se instalou foi tecnicamente vencida pela Grã-Bretanha, mas estrategicamente a vitória foi afegã, que assegurou sua independência pelo tratado de Rawalpindi.
Em 1979, em plena Guerra Fria, são os russos soviéticos que invadem o Afeganistão, onde ficaram por 10 anos, sempre atacados pelos guerrilheiros ‘mujahedin”. Em 1988, os invasores foram postos para correr. Se Bush e seu gabinete tivessem lido um pouco sobre a história, os Estados Unidos não teriam invadido o Afeganistão nem levado tão ilustre quantidade de aliados à situação em que se encontram.
*Embaixador aposentado e jornalista
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