opinião

Artigo: Sobre ter esperança

Rodrigo Craveiro
postado em 25/08/2021 06:00

Ontem, bem cedo, levei minha filha para se vacinar contra a covid-19. O posto, em Taguatinga, estava vazio. Mas os poucos adolescentes ali presentes traziam um brilho no olhar. Brilho de esperança, de fome de vida, de resistência ao negacionismo, de confiança incondicional na ciência.

Cada dose de imunizante injetada em um braço é um tributo aos mais de 575 mil mortos pela covid-19. Não se pode normalizar o absurdo. São quase 600 mil amores arrancados de seus lares para sempre. São 575 mil “eu amo você” que nunca mais serão ditos. São 575 mil rostos que ficarão relegados a fotografias no computador ou no porta-retrato. São 575 mil ausências presentes em tantos lares brasileiros.

Em 2022, os mesmos jovens que se vacinaram ontem terão a oportunidade de ajudar a construir o futuro da nação. Alguns deles, provavelmente, perderam um dos pais ou dos avós para uma doença cuja letalidade poderia ter sido mitigada, caso o presidente estivesse mais interessado na aquisição de vacinas do que nas chamadas “motociatas”, que não passam de passeios de motocicleta com fins eleitoreiros e verbas públicas.

Jovens que tiveram a melhor fase da vida, repleta de descobertas, pausada pela inércia de um governo que mais preza em criar factoides contra a democracia do que em cuidar do bem-estar social. Ah! Há pouco, o ministro da Educação voltou a dizer que não apoia o ensino inclusivista. Qualquer jovem bem informado ficaria de cabelo em pé com tamanho despautério.

Precisamos de vacina, sim. Mas, também, de uma dose de reforço de esperança. Vivemos tempos sombrios. De radicalismo, de polarização, de reducionismo da política a um insignificante jogo de vaidades, de poder exacerbado, de irracionalidade. No cenário externo, o fundamentalismo volta a mostrar suas garras ao planeta, duas décadas depois dos piores atentados terroristas da história.

O Afeganistão tornou-se, uma vez mais, refém do Talibã. As mulheres afegãs retornaram à quase invisibilidade imposta pela misoginia extremista e pela interpretação da sharia (lei islâmica). No leste da Europa, a extrema-direita dissemina homofobia. Na Nicarágua, um presidente anula a oposição com prisões e perseguição. Como escreveu Guimarães Rosa, o que a vida quer de nós é coragem. Ainda bem que temos, nos jovens, a face da esperança e de um mundo melhor.

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