Maria Fernanda Quartiero e Luciana Barrancos*
As Olimpíadas, assim como todo e qualquer grande evento, são marcadas por momentos históricos, além de trazer à tona diversas pautas importantes. As competições deste ano, por exemplo, somaram o maior número de participantes que se identificam como LGBTQIA+ do que em qualquer outra edição. A equidade de gênero é outra aposta significativa: pela primeira vez na história, as mulheres representaram 49% do total de competidores. A representatividade negra e o combate ao racismo também protagonizaram debates, estrelando histórias como as das ginastas Rebeca Andrade (Brasil), Simone Biles (EUA) e outros.
Em meio a essa onda de transformações, a saúde mental também se tornou pauta prioritária e urgente não só nas Olimpíadas e no esporte, com Biles e Naomi Osaka, que carregou a tocha olímpica e a bandeira da saúde mental, mas, também, na música, com Lady Gaga e Billie Eilish, no mundo dos influenciadores, com Whindersson Nunes, e, principalmente, nos nossos lares e relações sociais.
Para se destacarem e ganharem visibilidade constante, atletas (e nós) precisam(os) melhorar o desempenho a qualquer custo, incluindo padrões e metas impostas. A procura (e até mesmo necessidade) da excelência é cada vez mais cobrada… E, quanto melhor você é, maiores são as expectativas depositadas sobre sua performance, inclusive traduzidas no formato de metas de patrocínio, no caso dos atletas. Porém, até que ponto é saudável sustentar essa narrativa de que “é preciso honrar com a perfeição” e ser impecável?
A necessidade de um período de afastamento para cuidar de sua saúde mental torna-se, por vezes, necessária, e acende o alerta de que precisamos ampliar nosso olhar para além dos esportes e promover essa discussão em nossos meios de convívio — e, sem olhar para isso, apenas para melhorar as chances de pódio.
Os atletas estão sujeitos a pressões que afetam a saúde mental, assim como qualquer outro profissional. Além de questões que afetam a população em geral, como a atual pandemia, há, também, situações pontuais, como os altos níveis de pressão em busca de resultados que garantam lugares ao pódio, prazos de competições, além da rotina exigente de treinos. Violências e desigualdades sociais sofridas e a falta de investimento e de oportunidades, que dão pouco espaço para erros são outros desafios que contribuem para o comprometimento mental.
Por meio do acompanhamento psicológico especializado — que deve ser feito desde o desenvolvimento do atleta e não apenas durante as competições — os profissionais trabalham suas metas dentro da realidade e, também, as possibilidades de insucesso, prevenindo e promovendo a saúde e o preparo mental para os treinamentos, disputas, outras atividades inerentes à carreira profissional e até mesmo a vida pessoal.
Um ótimo exemplo dessa importante parceria é o caso do nadador Bruno Fratus, que, depois de tentativas frustradas que o levaram à depressão, conquistou a medalha de bronze nos 50m livre em Tóquio, sendo que foi essa busca por cuidado e autoconsciência sobre sua saúde mental o que o ajudou a voltar às competições.
Quando ouvimos dizer que o corpo e a mente são uma coisa só, é porque, de fato, um não trabalha bem sem o outro. Dados do levantamento “Caminhos em Saúde Mental” que organizamos mostram que sofrimentos e adoecimentos mentais afetam nossas ações físicas, nossas relações sociais e aptidão para produzir. Por isso, a prevenção e a promoção da saúde mental são tão necessárias.
A exposição das vulnerabilidades emocionais dos atletas olímpicos representa um grande passo no caminho para compreender que os cuidados com saúde mental são fundamentais para todos, e que, inclusive, atletas de peso podem enfrentar crises internas. Isso nos diz o quão importante é saber parar, refletir, ajustar rotas, sem ser visto como fracasso. Ganhamos medalhas de ouro todos os dias quando conseguimos voltar para casa seguros e com saúde.
Assim como no esporte, precisamos entender que somos apenas frações pequenas de situações maiores. Que um momento de “provação” a cada quatro anos não determina quem o atleta é. Que uma medalha ou pódio não medem a capacidade. Nem uma reunião de trabalho, emprego, salário ou qualquer outro evento resumem toda a complexidade da identidade de uma pessoa. É imprescindível institucionalizar o debate da saúde mental para dentro e fora do esporte, em esforços conjuntos de governos, academia e sociedade civil.
Vamos juntos?
*As autoras são do Instituto Cactus, organização sem fins lucrativos que promove iniciativas para ampliar a informação e os cuidados com a saúde mental, particularmente para adolescentes e mulheres
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