opinião

Visto, lido e ouvido — Novo ensino médio e a ruptura com a universalidade do saber

Desde 1960

Circe Cunha (interina)
postado em 26/08/2021 06:00

Em meio à pandemia, que, daqui a pouco, completará dois anos, muitos brasileiros confessam estar não só cansados da clausura forçada, como se sentem alienados da realidade do mundo a sua volta. Para muitos, o mundo que conheciam antes da pandemia da covid está definitivamente morto. É em meio a esse sentimento que mistura a síndrome da caverna, provocada pelo isolamento social, que pais, alunos e professores pressentem que o futuro que planejavam para si e para os seus começou a ruir, sem que algo novo e seguro tenha sido colocado em seu lugar.

A incerteza quanto ao porvir tem trazido insegurança e desconfiança a essa parcela da sociedade, tornando ainda mais incerto que caminhos a educação de seus filhos tomará daqui para frente, num mundo em acelerada e tumultuada transformação. É nesse cenário, onde as dúvidas sobram, que estão sendo implantados em todo o país, a toque de caixa, os currículos do novo ensino médio (Enem), proposto pela Medida Provisória nº 746, de 2016.

É preciso lembrar que a prolongada pandemia e as incertezas quanto ao real calendário de retorno às aulas ocasionaram um outro fenômeno físico nas escolas públicas. Muitos desses estabelecimentos ou ficaram abandonados ou entraram num processo indefinido de reformas, sendo que boa parte dos edifícios, simplesmente, não está preparada para receber os alunos.

Quanto à implantação nessas escolas do novo material didático exigido pelo Enem, como é o caso de computadores e rede de informática, nada ainda foi feito. É nesse ambiente de incertezas e improvisações que os alunos, quando retornarem, de fato, às escolas, terão que conviver.

De cara, terão que aceitar que a tal reformulação do ensino médio, no que pesem as possíveis boas intenções do legislador, excluiu universidade, docentes, escolas, pais e alunos de todo esse processo de renovação, o que pode conduzir toda a estratégia a um ponto de inflexão, forçando mudanças do ponto original de partida.

Alheios a toda essa transformação dos currículos, pais e alunos poderão se ver em meio a um novo modelo, elaborado para funcionar na prática, sobretudo, quando se verifica que a ausência de protagonismo dos professores é o que mais tem pesado para fazer dessas mudanças algo que vá de encontro à realidade do ensino público e acabe atropelando toda a política educacional proposta pelo Enem.

Apenas para se ter uma ideia sobre o assunto, a página do Congresso Nacional, que trata do tema, apurou, por meio do quesito de consulta pública, encerrada, que, entre os cidadãos ouvidos, 73.554 disseram não ao Enem. Somente 4.551 aprovaram as novas propostas para o ensino médio.

Trata-se de um retrato pequeno para o universo nacional, mas diz muito sobre essas inovações relâmpagos. Também a exclusão dos alunos de todo esse processo tem pesado sobre sua aceitação e contradiz o que prega o próprio eixo do Enem, que afirma serem eles os principais protagonistas dessas alterações.

Com relação aos professores, a situação é ainda mais incerta. Para muitos deles, o Enem deveria ser precedido de formação de professores, que ainda é feita por áreas de conhecimento e não como prega o novo currículo, por competências e habilidades.

Muitos professores alertam ainda para o perigo do aumento do distanciamento entre as escolas públicas e privadas, uma vez que estas continuaram a oferecer itinerários formadores com vistas ao ensino superior, ao passo que as escolas públicas correm o risco, por falta de recursos, de se transformarem em estabelecimentos voltados para a formação de mão de obra para o mercado de trabalho e para o ensino profissionalizante.

É tal a história, mal contada pelo atual ministro da Educação, de que as universidades são para poucos brasileiros. Há ainda muito chão pela frente a ser percorrido por essa proposta, caso queira o governo, que ela tenha um mínimo de aceitação e longevidade.

S.O.S, SUS

» Hoje é dia de as clínicas de hemodiálise apagarem as luzes em protesto relacionado ao baixo valor pago pelo SUS aos serviços prestados. Enaltecer o SUS é, de fato, uma ação meritória. Mas hospitais e clínicas que se desdobram para que tudo funcione a contento não são devidamente reconhecidos.

Sem neura

» Difícil não estranhar o vermelho compartilhado nas bandeiras verde e amarelo espalhadas pela Esplanada dos Ministérios. Quem lê jornal logo pensa que a esquerda resolveu aprontar alguma antes de 7 de Setembro. Nada disso. Agora, todos conhecemos a bandeira da Guiné Bissau, mesmo que a estrela não esteja visível. Até o dia 28, Umaro Sissoco Embaló, presidente daquele país, estará em visita na capital.

Duas vias

» Uma bela matéria no Globo Rural mostrava uma fazenda com um cultivo diferente: água. Depois de muitos anos, resolveram estimular a volta das águas que secaram pelo mau uso da terra. E a natureza respondeu de braços abertos. No DF, um projeto incentiva produtores rurais a reflorestar áreas e criar cobertura vegetal que aumenta a infiltração da água na terra. Também está dando certo.

Valores

» Financiado pelo governo federal, o Consultório de Rua é uma boa ideia. Andarilhos, pedintes e pessoas vulneráveis podem ser assistidas pelo programa. Cabe aos governos a inscrição para acesso à verba. Dona Maria do Barro, se estivesse viva, ficaria feliz com a iniciativa. Estava sempre pensando em uma forma de tornar a vida dos moradores de rua menos sofrida. Ela foi uma pessoa que Brasília nunca deverá esquecer.

História de Brasília

Como já faz muito tempo que foi inaugurada, e ninguém se lembra mais, é tempo de inaugurar novamente a Creche da 108, desta vez, acrescida de mais oito portas.
(Publicada em 7/2/1962)

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