OPINIÃO

Um presidente sem modos

SACHA CALMON Advogado

Correio Braziliense
postado em 29/08/2021 06:00
 (crédito: Gomez)
(crédito: Gomez)

SACHA CALMON*

Os presidentes exercem o mais alto cargo civil da República e são os comandantes em chefe das Forças Armadas. Os presidentes americano e russo, somente eles, carregam as maletas que acionam os foguetes com ogivas nucleares, mas ambos estão sujeitos às regras e ao Conselho de Estado, o Pentágono, no caso dos Estados Unidos, e o Estado-Maior, no caso da Rússia. Na China, os 22 partícipes do comitê supremo (cominform) devem ser ouvidos.

O “cavalão”, seu apelido na escola militar de São Paulo, acha-se como César ou Nero. Nunca, após a redemocratização, após o regime militar de exceção, o nosso país e as instituições militares e civis foram tão ameaçados. Alguém precisa ensinar ao presidente o que significa um regime democrático, especialmente o nosso.

Por pura consternação, resolvi transcrever-lhe alguns artigos da Carta Magna, à qual ele jurou obediência e cumprimento: Art. 1º: A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I — a soberania; II — a cidadania; III — a dignidade da pessoa humana; IV — os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; (Vide Lei nº 13.874, de 2019); V— o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.

O Artigo 2º articula a tripartição dos poderes republicanos “verbis: São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. O art.3º declara os objetivos fundamentais da nossa República: “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I — construir uma sociedade livre, justa e solidária; II — garantir o desenvolvimento nacional; III — erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV— promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. Em nossa opinião, o presidente os obedece, em termos, e gostaria muitíssimo de agir contra eles e se tornar ditador, o que não fez nem fará por falta de apoio em nossas democráticas Forças Armadas e do Congresso Nacional.

O presidente deveria ler o capítulo 5º da Constituição Federal a cuidar dos direitos e garantias fundamentais, especialmente os seguintes incisos: II — ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; IV — é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; V — é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; X — são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; XLI — a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais; LV — aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; LXI — ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei; LXIII — o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado; LXIX — conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por “habeas-corpus” ou “habeas-data”, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público; LXX — o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por: a) partido político com representação no Congresso Nacional; b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados; o artigo 60, “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I — a forma federativa de Estado; II — o voto direto, secreto, universal e periódico; III — a separação dos Poderes; IV — os direitos e garantias individuais”. São as chamadas “cláusulas pétreas”.

A CF/88 elenca as competências do STF e do Senado: admitida a acusação contra o presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade. § 1º — O presidente ficará suspenso de suas funções: I — nas infrações penais comuns, se recebida a denúncia ou queixa-crime pelo Supremo Tribunal Federal; II — nos crimes de responsabilidade, após a instauração do processo pelo Senado Federal.

Tome tento!

*Advogado

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O Afeganistão não é só hoje

JAIME PINSKY Historiador, doutor e livre docente na USP, Professor titular da Unicamp, organizador e coautor do livro Novos combates da História

Sejamos claros. Conquistar o mundo, sob a ótica de setores fundamentalistas de certas religiões, é apenas fazer com que a verdade chegue a todos os seres humanos. Para esses homens e mulheres, o proselitismo, a conquista de um novo fiel, é uma missão. Para esses religiosos, a verdade é algo revelado, algo bem distinto das verdades racionalmente estabelecidas e cientificamente demonstráveis. Enquanto a verdade científica é, necessariamente, dinâmica, mutável e sujeita à demonstração, a verdade dos fundamentalistas prescinde de qualquer evidência e nunca muda, uma vez que é estabelecida diretamente pelo Ser Supremo. Tendo esse caráter, como poderia ser questionada?

Um bom fiel não deve apenas seguir a filosofia e aceitar as práticas, os rituais e a estrutura de poder de sua religião. Seu papel é, também, fazer com que o mundo melhore, com que cresça o número de fiéis daquela que considera a “verdadeira” crença. Isto leva os seguidores de uma religião estabelecida a tentam converter, por bem, se possível, ou por mal, se necessário, o maior número de pessoas. A única solução para frear o ímpeto dos donos de verdades espirituais é limitar seu poder.

Quanto mais poder as religiões concentrarem, mais tratarão de impor sua ditadura que não é apenas espiritual, uma vez que, frequentemente, religiões se metem em assuntos relativos à sexualidade alheia, problemas de saúde pública e privada, regimes alimentares, apreciação estética sobre o que deve, ou não, passar nos cinemas e na tevê, acordos de união entre dois cidadãos maiores de idade e por aí afora. Em alguns lugares, religiões desempenham o papel de consultores de moda feminina, salvadores da pureza (também das mulheres), guardiões do que consideram bons costumes (com cartilhas datadas de mais de 13 séculos!), consultores de turismo (alguns lugares têm que ser visitados, outros não devem) e, em alguns países conhecidos, em conselheiros e mentores políticos de dirigentes nacionais...

Quando uma religião tem amplitude territorialmente limitada ela, obviamente, tende a prejudicar menos gente. Mesmo porque religiões tribais tendem a ser egoístas com seu deus ou seus deuses, querem que eles os protejam, e somente a eles. Uma luta entre grupos tribais ou entre clãs é uma luta sobre quem tem o deus mais poderoso. Veja-se o judaísmo, por exemplo: é uma religião que, no começo, preocupava-se com a unificação de 12 tribos, há mais ou menos três mil anos. Ela nunca teve ambições expansionistas, uma vez que, explicitamente, privilegiava os descendentes de Abrahão. Em todos os escritos do cânone judaico fica claro que todos os povos são iguais diante de Deus, mas os hebreus são, digamos, mais iguais. Essa atitude era bastante comum na Antiguidade, quando predominavam as divindades locais. Não acontecia de os dois lados em um combate rezarem pedindo ajuda ao mesmo Deus... Assim, o judaísmo, mesmo trazendo mensagens universais de justiça social — como fica claro nas palavras dos profetas Isaías e Amós —, nunca foi uma religião com ambições universais.

O cristianismo é diferente. É verdade que não há informação de que Jesus tenha abandonado o judaísmo (pelo contrário, sabe-se até que ele comemorou o seu bar mitzvá (cerimônia judaica de iniciação, correspondente nas tribos a ritos de passagem da infância à idade adulta). Contudo, o cristianismo ganhou cores mais definidas com Paulo, grande estrategista, que deslocou o epicentro da religião para fora do Oriente Médio. Ele percebe o mundo romano como espaço ideal para a pregação de uma ideologia de gente sofrida e marginalizada, adapta e altera comemorações judaicas para que se aproxime do que era conhecido no mundo greco-romano e abole práticas difíceis de serem aceitas (é o caso da circuncisão, frequentemente confundida, com castração).

De religião dos pobres e sofridos, o cristianismo logo avança para ser a crença oficial do Império e a mesma violência que os primeiros cristãos haviam sofrido anos antes se volta agora contra “infiéis” de todas as fés... A destruição da Biblioteca de Alexandria por cristãos encolerizados com ensinamentos não canônicos em livros “ímpios” é só um exemplo do que uma religião com poder político pode realizar...

A penetração do islamismo na Ásia Central e os massacres a que populações locais de cultura mongol foram submetidas são descritas por historiadores especializados em estudos sobre a rota da seda. A submissão de homens, mulheres e crianças negras na África e a transformação deles em escravos vendidos a traficantes que os repassariam a fazendeiros nas Américas são episódios muito conhecidos — e nem um pouco edificante — da história.

O Afeganistão já existe há muito tempo.

Visto, lido e ouvido

Desde 1960 Circe Cunha (interina) // circecunha.df@dabr.com.br

Eleições e as nuvens cinzentas

Já é sabido pela população mais atenta que as eleições de 2022 serão realizadas sob o signo uníssono das turbulências políticas, econômicas e sociais. A crise institucional e a inflação ascendente, somada à crise hídrica histórica e ao aumento significativo da pobreza e da violência, ameaçam a todos, sem distinção.

A escolha de cada uma dessas ramificações da crise e seus efeitos, a afetar indistintamente a vida diária de todos, ficará a critério de cada eleitor. O que é sabido é que não dá para desvincular a crise política de seus efeitos sobre a economia e, por tabela, sobre a vida do cidadão.

A polarização política açulada pelos dois candidatos radicais que se apresentam para a disputa e que, segundo alguns órgãos de pesquisa de opinião, parecem ter maiores chances de vitória, antecipa, para aqueles cidadãos mais lúcidos, um cenário deveras preocupante.

A vitória de quaisquer desses extremos nas próximas disputas à Presidência da República trará, por certo, um fator complicador a mais, a intensificar e prolongar nossa crise. De concreto, as expectativas apontam para um upgrade da crise, levando o país a adentrar para um ciclo de caos institucional, cujos desdobramentos serão absolutamente imprevisíveis e graves.

Conhecendo, já de antemão, a performance de cada um desses postulantes e a distância sideral entre o que prometem e aquilo que entregam de fato, fica mais do que evidente que não há saídas laterais para esse impasse. Pela impossibilidade real que se apresenta de, juridicamente, obstar o avanço de um ou de outro rumo ao comando do país, restaria, talvez, a possibilidade, também remota, de renúncia de ambos ao pleito de 2022 para o bem do país e pelo fim de uma crise, que concentra em ambas suas nascentes.

A questão aqui fica por conta da grandeza cívica ausente em ambos. Ou quem sabe o espírito pacificador, também impensável, ou a própria representação popular instalada no Congresso poderia, num átimo de lucidez, resolver esse grave impasse que, seguramente, nos levará ao abismo, mudando a regra do jogo, simplesmente impedindo a recondução de candidatos ao mesmo cargo.

Crises necessitam de resolução, e cabe às autoridades essa tarefa. O que não pode é descarregar sobre as costas dos brasileiros um baú de pedras e problemas criados e alimentados por grupos políticos que têm, em seus interesses particulares, a razão de suas postulações a cargos públicos.

Ou é isso ou será aquilo que experimentamos e não gostamos do odor e do sabor. Mais uma vez, aqui, a grande questão esbarra no que seria a qualificação do eleitor e do voto. Também nesse quesito estamos longe de uma saída minimamente racional e adequada para a nossa democracia.

Ao Supremo Tribunal Federal (STF), a quem, em tese, caberia resolver essa crise presente e que se anuncia também para além de 2022, por se constituir, em parte, integrante dessa mesma crise atual, tornam-se remotas as esperanças do cidadão de que algo de novo venha dessa direção. Resta, então, apelar aos santos de todos os protetores do Brasil, das mais diversas crenças, que leve para longe essas nuvens cizentas carregadas de maus augúrios e presságios e que, há anos, pairam sobre nós. Vade retro.


A frase que foi pronunciada

“Se existe tanta crise é porque deve ser um bom negócio.”
Jô Soares


Reconhecimento
Justiça seja feita. Quem vê Vicente Pires hoje não acredita em como tudo começou. Melhorou muito. Realmente o GDF caprichou por lá.


Cortar pela raiz
Não é só no CA 11 do Lago Norte que o comércio em lata brota por todo canto. Se não houver um freio agora, vai ser a mesma coisa de sempre. Deixa crescer, faz uma cidade e acomoda os invasores por lá. Melhor fazer a coisa certa.


514 Sul
Jorge Vieira da academia de tênis de mesa Fitpong conseguiu vencer todas as barreiras impostas pela pandemia. Além da responsabilidade e da seriedade com que trabalha, o esporte é paixão de muitos brasilienses.


Golpe
Um golpe inacreditável por telefone aproveita as suas respostas: “permito, concordo, sim, aceito”. Daí por diante a sua voz se transforma em chave para o ilícito. Veja as perguntas do último golpe no Blog do Ari Cunha.


História de Brasília
O caso da Agência Nacional, a que temos nos referido, com relação à transferência, para o Rio, da Voz do Brasil é mais escabroso ainda. Há funcionários que vêm para Brasília, recebem a ajuda de custo, pedem retorno ao Rio, voltam de novo, recebem nova ajuda de custo e se mudar de diretor novamente, acontecerá outra vez.
(Publicada em 07/02/1962)

 

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