Opinião

Artigo: O retorno do Talibã

"Um governo talibã representaria um revólver apontado para a cabeça de cada afegão. Mas também traria reflexos na arena do terrorismo internacional"

Khasha Zawan foi arrancado de casa por extremistas do Talibã, na província de Kandahar, no sul do Afeganistão. A caminho da morte, foi esbofeteado duas vezes pelos algozes, em 23 de julho, antes de ser executado a tiros. Seu “crime”? Fazer as pessoas sorrirem. Ao menos quatro talibãs invadiram a residência de Wahidullah, ex-policial no distrito de Spin Boldak, na mesma província.

Eles o assassinaram na frente dos cinco filhos e das duas esposas. Os dias têm sido de terror em boa parte do país. Às vésperas do 20º aniversário dos atentados de 11 de setembro, que marcaram o início da derrocada do Talibã do poder, o grupo fundamentalista islâmico volta a mergulhar na sombra uma nação cansada da guerra.

Em 27 dias, as tropas norte-americanas deixarão o Afeganistão e abandonarão 36,6 milhões de pessoas à própria sorte. As forças afegãs têm se mostrado ineficazes em controlar a segurança. Ao longo da última semana, entrevistei Zabihullah Mujahid por duas vezes. O porta-voz do Talibã foi claro ao abordar os objetivos do grupo: construir um governo islâmico forte após a retirada militar dos “invasores”. Em suma, devolver o Afeganistão à era das trevas, ao emirado islâmico que transformou os cidadãos em escravos de uma tirania baseada na visão deturpada, fanática e radicalizada do Corão.

As afegãs não poderão enxergar um futuro a não ser por meio da tímida rede de tecido azul que desponta à frente dos olhos na burca, cobrindo-lhe o corpo dos pés às cabeça. Os homens estarão proibidos de aparar a barba ou de cortar o cabelo, sob pena de enforcamento ou fuzilamento.

Todos os produtos culturais de valores ocidentais estarão proibidos do país, como novelas, filmes e música. Além de abrigar um regime fundamentalista, o Afeganistão poderá se tornar celeiro para o Estado Islâmico ou para grupos terroristas ainda mais cruéis. Todo o progresso que os Estados Unidos e a coalizão fizeram nas últimas duas décadas será praticamente anulado, com o retorno do país ao status quo anterior a 2001.

Um governo talibã representaria um revólver apontado para a cabeça de cada afegão. Mas também traria reflexos na arena do terrorismo internacional. Abriria brecha para nova invasão militar, outra guerra cujo impacto seria o recrudescimento do antiamericanismo no mundo islâmico. A aposta do presidente Joe Biden de remover as tropas do Afeganistão é vista como precipitada e incoerente, no momento em que o Talibã ganha força. Parece uma receita para o fracasso.