opinião

Artigo: Pandemia — empobrecendo os mais pobres e enriquecendo os mais ricos

Correio Braziliense
postado em 01/09/2021 06:00

VALDIR OLIVEIRA*

A concentração de renda é um dos legados que o coronavírus está deixando para o Brasil. A exclusão produtiva dos pequenos empreendedores e a ausência de alcance dos microempresários às políticas sociais compensatórias estão empobrecendo os mais pobres e enriquecendo os mais ricos. Nesta pandemia, o Estado não conseguiu combater o vírus, tampouco proteger economicamente os mais necessitados com suas políticas públicas. Não existe fake news ou qualquer manobra política que possa segurar o grito de quem sofre a perda de entes queridos ou o sofrimento da fome, fruto da exclusão social. Gestores públicos, muitas vezes, são insensíveis a cadáveres, ao desemprego e à fome, que resultaram de uma tragédia e de falhas de vários deles na gestão da crise. Só resolverá a dor do cidadão quem sentir na pele essa dor.

O Correio Braziliense publicou, recentemente, um estudo que mostra o crescimento do empobrecimento da população de quase todos os estados brasileiros. A inflação, o desemprego, o descontrole das contas públicas e o desequilíbrio no ambiente político formam a tempestade perfeita no momento da pandemia. O Brasil se sente um barco à deriva no meio de uma tempestade perfeita. Só um bom timoneiro — e não um salvador da pátria — poderá nos salvar de uma tragédia histórica e de proporções desastrosas para os brasileiros.

O período que antecedeu ao Plano Real foi marcado por hiperinflação e descontrole das contas públicas. Não foram poucos os planos econômicos colocados em prática para combater o grande mal vivido pela sociedade brasileira desde a nova República: a inflação. Esses planos eram recheados de populismo, mas ineficazes em suas ações. O Plano Real conseguiu combater esse grande flagelo que nos afetava sem esquecer de um rigoroso ajuste fiscal, não permitindo que a política desarmonizasse a integração entre a intervenção estatal para geração de renda, o combate à inflação e o equilíbrio das contas públicas. O ambiente político com uma democracia fortalecida proporcionou o surgimento de um Brasil maduro na busca pelo desenvolvimento e pela inclusão de brasileiros desassistidos pela má distribuição de renda.

A pandemia nos fez voltar ao período anterior ao Plano Real. Os indicadores inflacionários com o descontrole das contas públicas trouxeram o empobrecimento de brasileiros e a consequente concentração de renda. A necessidade do isolamento social obrigou a suspensão da operação comercial dos pequenos negócios, predominantemente de perfil presencial, enquanto grandes redes e negócios permaneciam abertos. Esse movimento direcionou o consumo para as grandes corporações, destruindo a renda dos pequenos negócios.

A alternativa de socorro aos pequenos negócios foi por meio do crédito bancário. Se, em épocas de paz, eles não tinham acesso aos bancos, não seria em épocas de crise que esses alcançariam os pequenos negócios que estavam com as restrições impeditivas de acesso ao sistema financeiro. Os bilhões de reais despejados no mercado atenderam aqueles que estavam compondo as carteiras dos bancos, que esterilizaram seus riscos, fazendo com que os recursos subsidiados e garantidos pelo Tesouro reforçassem os que mantinham suas operações. Enquanto isso, os pequenos negócios fechados caminhavam, cada vez mais, para a margem da formalidade, um retrocesso no nosso empreendedorismo.

Os empregos foram se deteriorando junto com os pequenos negócios. Já entramos na pandemia com um alto nível de desemprego, fruto da crise que vivíamos desde 2014. Os pequenos negócios eram os responsáveis por mais da metade dos empregos formais e respondiam por cerca de um quarto do PIB. São eles os grandes responsáveis pela distribuição de renda, por serem ainda, em sua maioria, intensivos em mão de obra. O auxílio emergencial prestou o socorro inicial, mas, como era esperado, não se tornou uma solução definitiva. Sem a retomada da vida dos pequenos negócios, a renda não voltou na forma de emprego e o caos social se aproximou da realidade das famílias brasileiras mais pobres.

O Brasil precisa combater o empobrecimento dos brasileiros, e os mais ricos precisam compreender que, sem a distribuição de renda, o povo sairá do grito para a violência pela sobrevivência. A insatisfação será o combustível de uma ruptura do tecido social, não originada pelos quartéis, mas pela própria sociedade que está sofrendo com as ameaças à sua sobrevivência. Nada vai parar o cidadão com fome. A solução só terá início com o equilíbrio no ambiente político. Com uma democracia consolidada, poderemos construir uma política pública em que o Estado precisará garantir a sobrevivência dos mais necessitados, sem esquecer o subsídio para os pequenos negócios. Além disso, precisamos da inclusão produtiva dos massacrados pela crise, mas com um plano de recuperação fiscal que traga de volta a confiança no país.

A luta do Brasil de hoje precisa ser para interromper o processo de empobrecimento da população. Precisamos de um Estado que possa impedir que os mais pobres fiquem cada vez mais empobrecidos. E os mais ricos devem compreender que é hora de eles contribuírem para a distribuição de renda, porque, só assim voltaremos, ao caminho do desenvolvimento do Brasil.

 

*Ex-secretário de Desenvolvimento Econômico do Distrito Federal

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