Visão do Correio

Violência inaceitável

Correio Braziliense
postado em 11/09/2021 06:00

Em julho último, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completou 31 anos. Em pouco mais de três décadas, o poder público brasileiro não conseguiu garantir a crianças e adolescentes a proteção prevista na lei, embora seja considerada uma das mais avançadas do planeta para esses segmentos da sociedade. Há muitas situações que comprovam a inabilidade, ou indiferença, do Estado na defesa e nas garantias dos direitos de crianças e jovens.

A Pesquisa Nacional de Saúde Escolar (PenSe) 2019, divulgada ontem, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), aponta para a inexistência dessa proteção, ao revelar que um em cada cinco estudantes de 13 a 17 anos foram pelo menos uma vez, contra a sua vontade, tocados, manipulados, beijados ou tiveram partes do corpo expostas indevidamente — duas em cada 10 foram meninas e um em cada 10, meninos.

Estarrece o fato de 6,3% dos alunos terem sido obrigados a manter relação sexual contra a sua vontade (estupro) alguma vez na vida — neste universo, 3,7% são meninos e 8,8%, meninas. Uma em cada cinco meninas de 13 a 18 anos sofreu algum tipo de violência sexual.

Mas não só isso. A visão conservadora (os tabus) também é outro obstáculo a ser vencido, sobretudo no que se refere à educação sexual infantojuvenil, que não é atribuição exclusiva da escola ou dos pais, mas uma tarefa a ser compartilhada entre ambos: escola e família.

“Quanto mais informação a criança e o adolescente tiverem, mais eles saberão se proteger diante de uma ação ou comportamento inadequado”, ensina a professora Patrícia Cristina Pinheiro de Almeida, do Departamento de Serviço Social e pesquisadora do Grupo Violes — Grupo de Pesquisa sobre Tráfico de Pessoas, Violência e Exploração Sexual de Mulheres, Crianças e Adolescentes.

As escolas precisam de equipes profissionais — psicólogos e assistentes sociais — capazes de identificar os sinais de que algo de errado está ocorrendo com o escolar, pois os professores não conseguem ter essa percepção, uma vez que estão preocupados com a disciplina que têm para ministrar. A maioria das escolas, especialmente as públicas, não conta com esses profissionais.

A importância da informação e das campanhas educativas, que, hoje, desapareceram das tevês e de outras mídias, compensada em parte pelo acesso à internet, é confirmada com o dado de que entre 35,4% dos adolescentes que tiveram iniciação sexual, 63,3% usaram preservativo na primeira vez, e 40,9% não utilizaram na última relação. No universo feminino, 8,4% que engravidaram eram da rede pública, contra 2,8% da rede particular. Ou seja, a gravidez precoce é o triplo entre estudantes de grupos familiares com menor renda familiar, que têm acesso só ao ensino público.

A desigualdade entre os ensinos público e privado é confirmada pelos recursos tecnológicos ofertados aos estudantes. Na rede privada, 89,6% têm computadores para os alunos, contra 49,7% na pública. Essa diferença explica, na opinião do professor Guilherme Dias, da Secretaria de Educação do Distrito Federal, “o fosso educacional entre classes sociais”. Sem acesso à internet e às tecnologias disponíveis, alunos da rede pública ficam em desvantagem e são menos competitivos em relação aos escolares que têm equipamentos à sua disposição.

A PenSe, além de apontar dificuldades, permite ao poder público e, igualmente, à rede privada de educação, identificar grande parte das fragilidades que afetam os escolares brasileiros. Indica quais ajustes são necessários, e até indispensáveis, para que os adolescentes encontrem na escola não só uma educação formal, concebida na grade curricular, mas que tenham informação e formação que ultrapassem esse limite formal, para que sejam verdadeiramente cidadãos responsáveis consigo e com toda uma geração que deles surgirá. É hora de tornar real o que estabelece o ECA por meio de políticas públicas eficazes.

 

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