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Artigo: A indiferença pode gerar o mal

Correio Braziliense
postado em 15/09/2021 06:00
 (crédito: Gomez)
(crédito: Gomez)

OTÁVIO SANTANA DO RÊGO BARROS*

Cenários prospectivos são estudos produzidos por analistas, tratando fatos portadores de futuro, na tentativa de vislumbrar o porvir a partir de um jogo com as variáveis consideradas. Incluem programas de computador sofisticados, até de inteligência artificial, alimentados por uma ausculta a expertos de vários grupos sociais. Os relatórios traduzem indicadores que sustentam as conclusões, apresentando hipóteses a palmilhar.

Na semana passada, antes das idas e vindas dos movimentos de 7 e 12 de setembro, recebi um trabalho de análise de cenários, sobre o qual dediquei especial atenção. Embora sem a inclusão das variáveis mais recentes, mostra-se adequado ao momento. E já vos adianto: inexistem respostas simples que nos acalmem as ansiedades.

Comparei a percepção desse analista com a da sociedade, tomando por base a opinião dos leitores expressa em órgãos de imprensa tradicionais. Fugi das bolhas digitais. Tanto o relatório do cenarista quanto às opiniões de leitores revelam uma coletividade em catarse constante, presa fácil de agentes usurpadores de suas emoções, mormente no ambiente das redes sociais.

Destacam um forte senso de pertencimento grupal, em realidade paralela, como única droga capaz de conter o desassossego d’alma. “Quando o que sei não pode ser questionado, escuto apenas aquilo que acredito” (Andrés Bruzzone, Ciberpopulismo, Editora Contexto).

Revelam o estranho fenômeno da “coragem covarde”. Os usuários das redes acreditam-se inalcançáveis atrás das máscaras de bits e bytes. São operários do caos em outra dimensão de consciência social, onde quem grita mais alto no megafone digital leva como prêmio os desinformados.

Constatam que os atores do poder sustentam conflitos diários, insuflados por amantes de peças incendiárias. Diante do refluxo de repercussões negativas, alegam cinicamente ter havido incompreensão e ajoelham-se em confortáveis almofadas para pedir escusas. Há um deficit de ética institucional, que gera a crença de que as promessas passadas não foram cumpridas, e motiva incertezas em promessas futuras a cumprir.

As fricções desperdiçam energia vital. O país se acostumou a andar em slackline, tendo abaixo o vazio da incerteza. “Governa-se pouco, e conspira-se muito”, desabafa o analista. Os fatos ratificam o postulado. Pende sobre a cabeça do príncipe de turno a espada de Dâmocles. O duelo com um adversário antípoda, peleja que já foi promissora eleitoralmente, deixou de ser uma estratégia fácil e parece transformar-se em obstáculo para a reeleição.

Os indicadores econômicos se mostram frustrantes. PIB estagnado, inflação e juros altos, câmbio pressionado, teimoso índice de desemprego e, como desgraça pouca é bobagem, crise hídrica dependente de São Pedro. Um eventual calote dos precatórios atemoriza os “Faria Limers”. O possível rompimento do teto fiscal, como justificativa para programas sociais alargados, é visto como populismo eleitoral para compra de indigentes.

A sustentação ao governo oferecida pelo “eficiente” fisiologismo de partidos amigos do poder, e prontos a pularem para outro barco que demonstre mais robustez para a travessia, fragiliza o ambiente. No quesito Forças Armadas, uma parte da sociedade, equivocadamente, passou a considerá-las apoiadoras do governo. Não o são e têm provado com posturas serenas e institucionais.

Alguns poucos integrantes se olvidaram do conceito de “existência infinita da Instituição”. Eles passam, elas permanecem inabaláveis pelo suporte de valores e tradições. Há consequências. A percepção da perda da isenção, atributo essencial às Forças Armadas para atuar nas missões previstas na Constituição, se faz presente.

Destacam-se nos cenários analisados críticas contra decisões dos tribunais. O encantamento de alguns magistrados por palco forneceu combustível para censuras de toda ordem. Perdeu-se o encanto da toga. Abriu-se espaços para fomentadores induzirem uma repulsa ao Judiciário, sobretudo contra a Suprema Corte, detentora da última palavra nos debates coletivos. Não custa ressaltar que o regramento civilizatório é tão mais respeitado quanto mais as pessoas acreditem na Justiça e se sintam comprometidas a trilhar o caminho iluminado pelas lamparinas das leis.

Em apertadas palavras, tratou-se da comparação entre o estudo do cenário construído por profissional e a opinião dos leitores. Sendo bosquejo prospectivo, serve como sinalização do que se pode esperar no próximo ano. Matutou Hannah Arendt: “A indiferença pode ser terreno fértil para o mal, e a antítese da indiferença é a reflexão. Portanto, temos todos a responsabilidade de refletir sobre nossos atos, de escolher, de não apenas obedecer e seguir o rebanho”. A sociedade não pode quedar-se indiferente. A indiferença gera o mal! Reflita.

Paz e bem!

*General de Divisão R1

 

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