opinião

Artigo: Calor quase infernal

Rodrigo Craveiro
postado em 15/09/2021 06:00

Passa das quatro da manhã. A insônia é proporcional ao calor quase infernal de Brasília. Penso em um tema para o artigo de hoje. À cabeça, me vêm o futuro do Afeganistão sob o regime do Talibã; a visita do papa Francisco à Hungria de Viktor Orbán, um Bolsonaro do Leste Europeu; o disparo de míssil de longo alcance por parte do ditador da Coreia do Norte, Kim Jong-un; a instabilidade democrática do continente africano, com o golpe na Guiné. Para quem sofre de rinite, a umidade quase a zero de Brasília é um castigo. O nariz congestiona, vêm a tosse e os espirros. Busco o celular e dou uma navegada nos sites de notícias.

A emissora britânica BBC divulga um estudo assustador. O número de dias extremamente quentes, com temperaturas acima dos 50 graus Celsius, dobrou, em comparação com os parâmetros anuais aferidos na década de 1980. O The Guardian traz uma pesquisa segundo a qual quatro entre 10 jovens no mundo temem terem filhos no futuro, em razão da crise climática. O jornal The Washington Post noticia que o presidente dos EUA, Joe Biden, pressiona por políticas de mitigaçâo do aquecimento global enquanto visita regiões castigadas pelos incêndios florestais, no oeste do país. Sofremos com o reflexo de nossa falência moral, da hipervalorização do dinheiro, da incapacidade de priorizar a consciência ecológica como questão de sobrevivência. O calor da madrugada é o prenúncio de mais um dia abafado, sem vento, causticante. Tomo um banho gelado. Alívio momentâneo.

Em dois meses, as potências do planeta se reunirão para debater o clima na COP26, na Escócia. Com uma política ambiental ridícula, que prioriza os grandes ruralistas à preservação da Amazônia, o Brasil ficará isolado. Eu me recordo de outras tentativas de colocar o aquecimento global na pauta internacional, das entrevistas com o falecido Rajendra Pachauri — presidente do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), uma iniciativa da ONU. Foram tantos relatórios, alertas quase catastróficos e pouco compromisso. O Brasil, que mata a Floresta Amazônica, e toda a sua biodiversidade, é o mesmo Brasil que se agarra a pedidos por racionamento elétrico em meio a grave crise hídrica. Tudo entrelaçado. Penso em meus filhos e no tipo de planeta que deixaremos para as crianças e os adolescentes. Espero dias melhores e noites amenas.

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação

CONTINUE LENDO SOBRE