OPINIÃO

A escolha e o tempo da CCJ

Correio Braziliense
postado em 18/09/2021 06:00

Marcelo Buhatem -Desembargador no TJRJ e Presidente da Associação Nacional de Desembargadores (Andes)

A célebre canção Sentado à beira do Caminho, composta e gravada por Roberto Carlos e Erasmo Carlos, lançada em 1969, narra as desventuras do autor diante da espera indefinida pela decisão de sua amada. O poeta, já no começo de sua letra e num claro apelo concita “...eu não posso mais ficar aqui a esperar...” Com a aposentadoria do decano, ministro Marco Aurélio, deu-se a corrida por uma vaga no Supremo Tribunal Federal. Decerto, o que se viu foi o debate acerca do nome daquele que reuniria condições para a sucessão deste tão alto cargo.

Somente para pontuar, o artigo 101 da Constituição Federal (CF/1988), ensina que os requisitos para membro da Corte são: ser maior de 35 anos, possuir reputação ilibada e notável saber jurídico, o que não se confunde com formação jurídica. É, isso mesmo! A Constituição de 1988, assim como todas as anteriores, sequer exige que o indicado seja advogado, bacharel em direito, desembargador, juiz de 1ª Instância, conselheiro, promotor de Justiça, defensor público, ministro etc. O tema, de fato, não está imune a paixões, convicções ou crenças. De toda forma, podemos até discutir se tal escolha é consentânea, ou não, com o sistema, mas o fato é que a nossa Constituição optou, claramente, por não excluir.

Ao contrário, considerando que nossa mais Alta Corte é, para além de um órgão jurisdicional, também um tribunal onde se debatem os temais políticos e caros à sociedade, quis o constituinte originário que ela fosse agregadora, de modo a incluir a experiência do próprio homem e não somente do cargo ou função que ele exerça ou tenha exercido durante a sua vida profissional. Optou o legislador constituinte, assim, pela experiência e o arejamento do Judiciário com pessoas que podem levar para o hermético Poder além da experiência, sua reputação. Desejou, ainda, que se tratasse de pessoas ilibadas e de notório saber jurídico.

Há, portanto, uma normal inquietação quando é chegada a hora de escolher um cidadão brasileiro para uma das 11 cadeiras do Supremo Tribunal Federal (STF), notadamente em virtude do protagonismo que a instituição tem demonstrado nos últimos anos, com a sempre nova discussão sobre o exagero ou não desse ativismo que pode estar demonstrando ao Brasil. Não se pode esquecer, ainda, que a indicação passa pelo parlamento que, na verdade, dá a palavra final, aceitando, ou não, o nome indicado, sendo, portanto, responsável solidário e representativo dos seus, somados, milhões de votos democraticamente recebidos pelo povo brasileiro.

Entretanto, com o devido respeito a tal Casa, entendemos que o Senado pode estar postergando de forma demasiada a análise do nome recentemente indicado pelo chefe do Executivo para o STF, circunstância que, a nosso ver, pode vulnerar a tripartição harmônica de Poderes (rectius funções) Constitucionais, também conhecida como o sistema de freios e contrapesos (checks and balances), proposta por Montesquieu, com inspiração nas obras de Aristóteles (Política) e de John Locke (Segundo Tratado do Governo Civil), no período da Revolução Francesa.

Com efeito, sem nenhuma pretensão de aprofundamento acerca de tão rico tema, propomos que a ideia de harmonia e separação de Poderes encerra o princípio de que “o poder controla o poder”. Mediante tal sistema, um Poder do Estado está apto a conter os abusos ou omissões do outro de forma que se equilibrem. O contrapeso está no fato de que todos os Poderes possuem funções distintas, são harmônicos e independentes, tudo sob a dicção do art.2 da CRFB.

Com base em tal premissa, se é certo que cabe ao presidente da República a sobredita indicação, mais certa, ainda, é a sujeição de cunho constitucional, inclusive, por parte do Senado de dar imperioso prosseguimento a tal processo. Esta, a nosso ver, uma das projeções práticas do conceito de harmonia entre os Poderes, sob pena de incorrer-se em indevida inação, o que, em última análise, reflete-se não somente nas atividades da mais Alta Corte do país, cuja composição reclama número ímpar a evitar indesejáveis empates nas votações, como também, e principalmente, junto ao jurisdicionado e ao Poder Executivo que reclama a vaga.

Insistimos, a deliberação acerca de tal nome se encerra no âmbito da Casa, com base no parágrafo único do art.101 da CRFB, que, de fato, condiciona a nomeação feita pelo Presidente à aprovação do Senado. Entretanto, e esse é nosso ponto, nos parece necessário que se realize de modo expedito a sessão respectiva (como manifestação última do efeito prodrômico em sede política-constitucional), de modo que se depurem, no âmbito do próprio Senado e sob o crivo da sociedade civil organizada, o preenchimento de tão elevado cargo por parte do postulante.

Dirão alhures que a lógica do tempo político não é a lógica do tempo constitucional. Ledo engano em virtude dos interesses público e privados envoltos. Assim, em benefício de tudo quanto foi exposto, para que o STF e a comunidade jurídica, tal e qual a personagem da canção não fiquem “à beira do caminho”, apontamos pela celeridade na designação da sessão que sabatinará o candidato ao cargo de ministro do Supremo, permitindo a recomposição de seu quadro, de modo a consentir o fiel cumprimento de seu desiderato constitucional, pois os processos distribuídos àquele gabinete e respectivos players não podem ficar a esperar...

 

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