opinião

Artigo: Emprego na América Latina, uma recuperação insuficiente e desigual

Correio Braziliense
postado em 19/09/2021 06:00

VINÍCIUS PINHEIRO*

A reativação econômica da América Latina não está se refletindo suficientemente nos mercados de trabalho, uma vez que não gera nem a quantidade nem a qualidade dos empregos necessários para enfrentar as consequências da crise socioeconômica provocada pela pandemia da covid-19. O panorama laboral não é animador e representa um desafio de grande magnitude. Quando a crise atingiu a região no segundo trimestre de 2020, cerca de 43 milhões de empregos foram destruídos. Embora um grande número de empregos tenha sido recuperado desde então, ainda estamos longe de retornar aos níveis que tínhamos antes da pandemia.

A fraca recuperação do emprego significou que, no primeiro semestre de 2021, a taxa média de desocupação da região permaneceu elevada, em 11%. Em termos absolutos, significa que cerca de 32 milhões de pessoas procuram ativamente trabalho, mas não o encontram. Além disso, cerca de 70% dos empregos criados nos últimos meses em um grupo de países latino-americanos estão em condições de informalidade. Este é um dado preocupante, pois em muitos casos envolve ocupações de baixos salários, sem proteção social ou direitos.

A informalidade é um problema endêmico na América Latina. Antes da pandemia, em média 1 em cada 2 empregos era informal na região. Quando a crise chegou, as ocupações informais foram as mais afetadas pela destruição de empregos e a abrupta perda de renda. É verdade que o vírus não discrimina o contágio, mas, em nossas sociedades fragmentadas, o acesso a serviços sociais, infraestrutura tecnológica e condições de trabalho decentes fazem a diferença na hora de se proteger contra os impactos econômicos de uma crise.

De fato, no início dos longos períodos de confinamento, o teletrabalho e a digitalização contribuíram para a continuidade do negócio e a preservação de milhões de empregos. Estima-se que 23 milhões de pessoas transitaram para o teletrabalho na região. Em alguns países, cerca de 30% das pessoas assalariadas passaram para o teletrabalho. No entanto, essa opção estava predominantemente disponível para trabalhadores assalariados formais, com alto nível de escolaridade e com acesso a tecnologias e à conectividade. Ao mesmo tempo, todos nós testemunhamos como as atividades informais em nossas cidades ultrapassaram as medidas sanitárias de controle da pandemia, já que muitas pessoas precisam trabalhar de dia para comer naquele dia.

Além disso, mulheres, jovens, migrantes e pessoas com menos qualificações foram atingidos de forma desproporcional pela contração do emprego e da renda, o que significa que foram afetados mais fortemente pelos impactos desiguais e do aumento da pobreza desta crise na região. No caso das mulheres, houve declínio da participação laboral após décadas de aumento de sua inserção no mercado de trabalho. Há mais de 15 anos que não se registrava uma taxa tão baixa de participação econômica das mulheres.

Isso também se reflete nos dados de recuperação do trabalho. Do segundo trimestre de 2020 até o primeiro trimestre de 2021, 58% do total do emprego feminino perdido durante o primeiro semestre de 2020 foi recuperado na região. No caso do emprego masculino, esse valor sobe para 77%. Diante de um cenário tão complexo, é hora de fazermos um chamado à ação em prol da geração de mais e melhores empregos para sairmos da crise. Como já verificamos, a recuperação econômica por si só é insuficiente para gerar mais e melhores empregos.

Além de sustentar o crescimento, é fundamental que existam políticas voltadas especialmente para a geração de postos de trabalho formais. Existe um amplo repertório de medidas à disposição dos governos para avançar neste caminho que deveriam ser apoiadas por meio de um diálogo social efetivo com empregadores e trabalhadores.Por outro lado, é importante que essas estratégias apontem para o futuro do trabalho que queremos. No caso da informalidade, é importante ir além das estratégias habituais, talvez para repensar como abordar esse problema com o uso de novas tecnologias e iniciativas de e-formalização. Não podemos esquecer que o emprego é a principal fonte de renda das famílias latino-americanas e, como tal, é essencial para reduzir a pobreza e a desigualdade. E é por isso que ele também é uma peça fundamental para a estabilidade social nos países da região.

*Diretor da Organização Internacional do Trabalho (OIT) para América Latina e o Caribe

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