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Artigo: Uma indesejável ameaça ao Prouni

Correio Braziliense
postado em 20/09/2021 06:00 / atualizado em 20/09/2021 17:36
 (crédito: Kleber Sales/CB/D.A Press)
(crédito: Kleber Sales/CB/D.A Press)

LÚCIA TEIXEIRA* 

Além de uma série de inconsistências, como não garantir uma alteração relevante do modelo de tributação atualmente em vigor e ainda prejudicar os investimentos, o Projeto de Lei nº 2.337/2021, que altera algumas regras do Imposto de Renda, poderá ter outro efeito extremamente danoso. Sua eventual aprovação representará um enorme desestímulo para a continuidade do Prouni, um dos programas mais exitosos do país em seu propósito de oferecer acesso à educação superior a um grande número de jovens das camadas menos favorecidas da população, que de outro modo não teriam a perspectiva de alcançar uma vida melhor.

Para entender o significado dessa ameaça, é importante destacar a lógica do Prouni, um programa que reúne a ação do governo e da iniciativa privada para oferecer acesso ao ensino superior à população em situação desfavorável, mas que não concede isenção fiscal sem contrapartida. Quando uma instituição de ensino superior privada adere ao programa, ela firma um contrato com o Ministério da Educação, por um período de 10 anos, que garante redução tributária em troca da concessão de bolsas, sob critérios de qualidade em relação aos cursos ofertados, um compromisso que amplia as oportunidades educacionais para a população, beneficiando a sociedade brasileira.

Para obter a bolsa integral, o aluno deve ter renda familiar per capita de, no máximo, 1,5 salário mínimo e, para bolsa parcial, até três salários mínimos. Desde o início do programa, em 2005, até o ano passado, foram concedidas aproximadamente 2,8 milhões de bolsas do Prouni para alunos carentes, sendo 1,9 milhão de bolsas integrais e 900 mil bolsas parciais. A média anual de bolsas integrais é de 127 mil, e a de bolsas parciais, de 56 mil.

O projeto, que neste momento se encontra no Senado Federal, provoca um desequilíbrio em relação à carga tributária e ao percentual de bolsas oferecidas pelas instituições de ensino superior privadas que aderiram ao Prouni. Atualmente, para a maioria das instituições, o número de bolsas concedidas pelo Prouni em relação à isenção fiscal já é desproporcional em 187%. Com a reforma proposta, a relação ficará ainda mais desvantajosa, subindo para 223%. E o resultado dessa disparidade poderá ser, inevitavelmente, que muitas instituições não se interessarão em renovar sua participação no programa, prejudicando centenas de milhares de alunos e afetando a pretendida inclusão social por meio da educação superior.

A pergunta que a sociedade brasileira deve fazer neste momento aos parlamentares que decidirão as alterações que precisarão ser feitas no projeto é se eles têm ideia de quanto o Estado teria gasto para conseguir incluir no ensino superior o mesmo número de alunos beneficiados pelo Prouni desde o início do programa. Na verdade, ao renunciar a tributos em troca de bolsas integrais e parciais ofertadas pelas instituições privadas, o governo e o País obtêm todos os anos uma economia substancial.

Levantamento do Instituto Semesp mostra que, considerando um valor médio de R$ 991,85 para as mensalidades nas instituições de ensino superior privadas, estima-se que o Estado teria gasto R$ 111 bilhões para inserção de todos os alunos do Prouni desde 2005. Ao mesmo tempo, segundo dados da própria área econômica do governo, a “renúncia fiscal” com o programa, atualmente, é de R$ 2,167 bilhões por ano. Portanto, o valor total que deixou de ser arrecadado no mesmo período foi inferior a R$ 30 bilhões, ou seja, considerando esses valores, graças ao Prouni, o Estado teve aproximadamente R$ 80 bilhões de gastos a menos.

Se considerarmos o valor gasto por estudante na universidade pública, a diferença será ainda maior. O custo do aluno de uma instituição acadêmica pública, de acordo com estimativa feita pelo INEP em 2017, é de R$ 28.140 por ano. Se aplicarmos esse valor para cada aluno do Prouni, o Estado teria que ter desembolsado R$ 263 bilhões para garantir, através do sistema de ensino superior público, a mesma oportunidade oferecida aos estudantes do programa pelo setor privado.

Cabe lembrar que, apesar de uma vaga no Prouni custar ao Estado muito menos que uma vaga em uma universidade pública, o desempenho acadêmico dos alunos do programa é rigorosamente o mesmo, ou até melhor, como mostram os números do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade). Em 2015 e 2016, a nota média dos dois grupos foi idêntica: 51,3 pontos. E, em 2017, os estudantes do Prouni, matriculados nas instituições privadas, alcançaram 56,1 pontos, contra 55 pontos obtidos pelos alunos das universidades públicas.

O Prouni também apresenta desempenho muito positivo em relação ao índice de permanência dos alunos nos cursos. Dados de 2019 revelam que a taxa de evasão dos alunos ingressantes pelo programa naquele ano foi de 8,8%, muito inferior à taxa dos ingressantes pagantes (26,2%) e, também, a dos alunos ingressantes de instituições públicas gratuitas (14,3%). Os dados confirmam a eficiência do investimento público no Prouni e a necessidade de que o programa seja mantido sem alterações e até estimulado, para que o Brasil deixe de ser um país com baixa taxa de acesso ao ensino superior na comparação com os países com os quais pretende competir globalmente.

*Presidente do Semesp (entidade que representa mantenedoras de Ensino Superior no Brasil) e da Universidade Santa Cecília (Unisanta)

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