Talvez a melhor definição fosse a de ser sepultado vivo. De repente, todos os seus sonhos e a sua liberdade são tolhidos pelo fanatismo religioso, pela imposição de uma lei baseada na interpretação distorcida do Corão, na misoginia oficializada por um regime em nada preocupado com os direitos humanos. Jornalistas perseguidos, presos e torturados. As faculdades de cinema e de música da Universidade de Cabul fechadas. Em outros cursos, mulheres se veem segregadas e obrigadas a assistirem às aulas em ambientes separados dos homens. O novo governo anunciado no país não tem em seus quadros nem sequer uma mulher. É como se uma burca fosse colocada sobre a participação política das afegãs, agora obrigadas a se esconderem no ostracismo e no silêncio.
Imagine viver em um país onde a sensação de liberdade lhe é arrancada da noite para o dia. Todos os avanços conseguidos ao longo de duas décadas, às custas de dor e de luto, se transformam em pó. Em 20 anos, mais de 36,6 milhões de pessoas retornam ao jugo da religião transformada em política. Depois de experimentarem um vislumbre de democracia, mergulham novamente na sombra de uma ditadura islâmica. Até mesmo instrumentos musicais foram proibidos pelo Talibã desde que ascendeu ao poder, em 15 de agosto. “Eu me sinto como se não vivesse mais. Estou viva, mas o Talibã roubou minha alma”, declarou o afegão Bahar, 18 anos, devastado por não mais poder tocar violino alto.
Ninguém sabe como será possível libertar o Afeganistão do jugo de uma milícia fundamentalista islâmica. Em 2001, o Talibã somente caiu porque os Estados Unidos bombardearam o país, a fim de desmantelar a rede de apoio da rede terrorista Al-Qaeda. Sem presença militar estrangeira, os talibãs estão livres para impor sua tirania sobre a população talvez por vários anos ou décadas. Qual a garantia de que a Rede Haqqani, o Estado Islâmico-Khorasan e a Al-Qaeda não voltarão a operar livremente em território afegão? Se o califado islâmico do Daesh foi varrido do Iraque e da Síria, um novo Estado terrorista pode ser implantado no Afeganistão. Isso representaria uma faca no pescoço de qualquer democracia ocidental. E um risco real a nações vizinhas, como o Uzbequistão, o Tadjiquistão e o Turcomenistão. Talvez seja tarde demais para impedir o desastre. A força das armas de nada resolveu, a diplomacia se silencia ante radicais islâmicos que creem estar numa missão designada pelo profeta Maomé e por Alá.
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