Quando subiu aquele cheiro de chuva bom e as primeiras gotas lamberam a terra na última sexta-feira, veio uma sensação de renascimento forte. Havia voltado há pouco tempo de uma viagem à Usina de Arte, em Pernambuco, onde vi e senti o que significa, na prática, uma reinvenção da vida, de um lugar, de uma história (veja matéria hoje na Revista do Correio, porque é de fato uma trajetória inspiradora). A chuva fechou a primeira semana da primavera e selou aqui por dentro uma esperança de dias melhores.
Lembrei-me de uma reportagem que fizemos há algum tempo, em 2019, de uma flor que, literalmente, renasce das cinzas. De nome pomposo, a Bulbostylis, popularmente conhecida como cabelo-de-índio, erva pertencente à família Cyperaceae, inicia a floração apenas 24 horas após a queima do bioma, um fenômeno que ainda não havia sido detectado até então. O cerrado tem dessas coisas, impressiona pelo reflorescer, pelo brotar, mesmo em meio a duras condições, como o fogo.
Acho que Brasília nasceu para renascer, tantas vezes quanto necessário. Herdou desse bioma espetacular a capacidade de reinvenção de tempos em tempos, que ocorre graças às gerações brasilienses de meninos e meninas que ocupam seus espaços e fazem deles criação pura. Também tem o passado dos candangos e dos tantos forasteiros que chegaram para ter com essa terra uma imensa relação de afeto, que perdura sempre.
A chuva lava e derruba, por vezes com violência, tudo pelo caminho. A cada ano, mais forte, com ventos, rajadas, raios, inundações, nos lembra que somos nós os responsáveis por todos os infortúnios, que, na verdade, são recados da natureza, castigada além da conta pelo bicho-homem.
Vejo nessa fúria uma força imensa que também nos inspira a amadurecer o que está verde, amarelo, seco aqui dentro de nós. Sinto esse cheiro de terra vermelha molhada e sei onde estou. O perfume de Brasília é inconfundível. Lá para janeiro, o “brasiliense sendo brasiliense” já vai implorar pela seca. Como se diz: rezamos para chover e para parar de chover.
Por aqui, eu vou curtindo cada tempo, porque ainda que se repita, o presente merece um lugar só dele. Hoje, para mim, ainda vivendo em um mundo pandêmico, qualquer coisa que floresça é uma lembrança do privilégio que é estar vivo. E ainda ter esperança em dias muito melhores.
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