OPINIÃO

Femenagem a Lourdes Bandeira

Correio Braziliense
postado em 28/09/2021 06:00

Autoria coletiva do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher (NEPeM)/UnB

A professora Lourdes Maria Bandeira graduou-se em ciências sociais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, seu estado natal. Cursou o mestrado na Universidade de Brasília (UnB). Já doutora em antropologia pela Université René Descartes (França), após 14 anos na Universidade Federal da Paraíba, veio transferida para a UnB, em 1991, onde se tornou professora do Departamento de Sociologia e ingressou no Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher (NEPeM). Juntou-se à Lia Zanotta Machado, Mireya Súarez, Ana Vicentini, Lúcia Sanders e Doris Faria, professoras que haviam fundado o Núcleo em 1986, com a perspectiva de impulsionar uma práxis pedagógica feminista articulada com pesquisa e extensão, de caráter interdisciplinar.

Essa perspectiva, que caracteriza o NEPeM, converge com a proposta que anima o Centro Avançado de Estudos Multidisciplinares (Ceam), ao qual o Núcleo se vincula, e expressa o seu compromisso com a sociedade e com uma transformação que promova a justiça social, a equidade e garanta às mulheres uma vida sem violência. Nesse espaço, Lourdes desenvolveu trabalhos em parceria e redes com várias colegas expoentes da UnB, com estudantes de diversos níveis de formação e de variados campos disciplinares, bem como com outras universidades, organizações governamentais e não-governamentais, movimentos sociais e instituições multilaterais na garantia e expansão dos direitos das mulheres.

Sempre vinculado aos movimentos e agendas relacionadas aos direitos das mulheres, o NEPeM tem influenciado e formado gerações de pesquisadoras de diversas áreas de conhecimento, contribuindo para o enfrentamento às desigualdades de gênero. Assim, Lourdes orientou trabalhos e participou de bancas acadêmicas em dezenas de outros Programas e Faculdades, colaborando para desenvolver a transversalidade do tema também nas áreas da saúde, da comunicação social, do direito, das ciências biológicas e exatas. Uma de suas últimas investigações científicas foi justamente sobre as violências vivenciadas na universidade, intitulada “Percepções da violência contra as mulheres no Campus Darcy Ribeiro da Universidade de Brasília”, em que se dedicou a compreender de que forma as assimetrias de gênero, somadas ao racismo, à lesbofobia, à transfobia e outras formas de discriminação, mantêm e aprofundam lógicas de desigualdade mesmo no ambiente universitário.

Fora da academia, também produziu críticas competentes e rigorosas das relações de gênero. Em especial, suas atuações como integrante do Conselho dos Direitos das Mulheres do Distrito Federal, como secretária de Planejamento e Gestão e secretária adjunta da Secretaria de Políticas para Mulheres do Governo Federal, respectivamente nos períodos de 2008 a 2011 e de 2012 a 2015, constituem legado de grande relevância. Contribuíram para lançar o Brasil ao patamar do pioneirismo internacional na implementação da Lei Maria da Penha, na consolidação das Delegacias de Atendimento Especial às Mulheres e no fortalecimento das Casas Abrigo. Com o intuito de promover mudanças substantivas na responsabilização de agressores, Lourdes foi uma das idealizadoras da Lei do Feminicídio. Desde sua promulgação, em 2015, acompanhou de perto seus efeitos sociais e jurídicos e vinha realizando estudos sobre o modo como os assassinatos de mulheres são retratados na mídia. É este o tema de seu livro ainda inédito, sobre o qual se debruçou durante seu último pós-doutorado, na Universidade do Porto, em Portugal, em 2018, e que será publicado em breve pela Editora da UnB.

Alinhadas com essa trajetória tão singular e potente, prestamos esta femenagem à Professora Lourdes, falecida no último 12 de setembro. Femenagem, e não homenagem, palavra cujo radical vem de homo, homem valoroso e validado pelo clero e nobreza da Idade Média. Femenageá-la se coaduna com o que ela propunha e dava exemplo na vida pessoal e profissional: deixar de prestar vassalagem ao patriarcado. A referência ao modelo patriarcal, que se isola da comunidade e se aparta da plenitude humana em si e nos outros, não condiz com a memória de uma feminista de vanguarda, com os propósitos do NEPeM e os seus valores éticos, discursivos e práticos.

Sua Bandeira, seu companheirismo e sua amizade, Lourdes, ficarão eternizados na história e nos vínculos de afeto do NEPeM, bem como em todas as sementes por você lançadas dentro e fora da universidade!

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