OPINIÃO

O Tite que você não vê

Em tempos de lacrações e de cancelamentos, tive uma experiência enriquecedora na relação com Tite. O técnico da Seleção vive a expectativa de o Brasil ganhar ou perder os pontos do clássico contra a Argentina no Conselho Disciplinar da Fifa. Há possibilidade, também, de a entidade máxima do futebol remarcar ou ordenar a sequência dos cinco minutos da partida oficial válida pelas Eliminatórias da Copa.

Em meio a tantas hipóteses, pesquisei a vida profissional de Tite para saber se em algum dia o gaúcho de Caxias do Sul conquistou vitória esportiva na Justiça.Sim. Foi no Brasileirão de 2003. Em 14 de setembro daquele ano, Tite era o técnico do São Caetano na derrota por 1 x 0 para o Paysandu, em Belém, pela 30ª rodada.

O time paraense venceu por 1 x 0, gol de Vélber, mas escalou três jogadores irregulares: Aldrovani, Júnior Amorim e Borges Neto. O jurídico do São Caetano acionou o STJD. A 2ª Comissão Disciplinar anulou o triunfo do Papão. À época, o regulamento determinava o repasse dos pontos ao clube prejudicado — naquele imbróglio, o São Caetano, comandado por Tite.

Abordei o episódio de 2003 na entrevista coletiva de Tite na última quinta-feira, véspera da vitória por 2 x 0 contra o Peru. Perguntei ao técnico se ele considera correto ganhar ou perder os pontos de uma partida no tapetão.

Tite negou veementemente no ar que era o técnico do São Caetano naquela vitória no STJD. Ficou um climão na sala virtual. Eu tinha certeza de que Tite era, sim, o treinador do Azulão não somente contra o Paysandu, mas na bela campanha. O time do ABC paulista terminou a Série A em quarto lugar, atrás do campeão Cruzeiro, do vice Santos e do São Paulo.

Assim que a coletiva acabou, Tite surpreendeu. Enviou mensagem de áudio para o meu celular e esclareceu: “Alô, Marcos. Veio a confirmação de que eu era, sim, o técnico naquela partida. Não lembrava”, desculpou-se. “Tenho uma ideia bem clara: futebol deve ser decidido dentro do campo. Mas também existem regras a serem cumpridas. Gostaria desse cuidado antes dos jogos. Não haveria esse tipo de problema. Fui beneficiado, sim, mas gostaria de que se decidisse dentro do campo”, disse Tite.

Você pode não gostar do homem Tite, do técnico Tite ou da Seleção escalada pelo do Tite, mas, especificamente nesse episódio, o senhor de 60 anos mostrou que a busca dele por correção, exatidão, precisão, perfeição, vai muito além da carreira profissional. Em tempos de lacrações e cancelamentos, Tite zela por algo tão raro no nosso tempo: relacionamento pessoal. Eis um outro lado de quem só costumamos enxergar como técnico de futebol.