JOSÉ PASTORE - Professor da Universidade de São Paulo e membro da Academia Paulista de Letras. É presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da Fecomercio-SP
Uma democracia é saudável quando nenhum Poder tem força para fazer o que quer e muito menos para dobrar os outros Poderes. Como diz Joaquim Falcão, a democracia funciona quando eu controlo você e você me controla. Essa é a função das instituições. A cada dia, leio na imprensa que as instituições do Brasil funcionam bem. Tenho dúvidas. Tome o Poder Judiciário. Há ali inúmeros exemplos de ações que premiam descaradamente os seus integrantes (magistrados) à custa dos recursos da coletividade. A lista de penduricalhos não tributados é enorme: auxílio-moradia, auxílio-transporte, vale locomoção, auxílio-funeral, auxílio-paletó, auxílio-livro e até auxílio peru. Esses auxílios são criados pelos próprios juízes, os mesmos que conseguiram ficar de fora na PEC 32/2020, que trata da reforma administrativa.
O Poder Legislativo não fica atrás. O Brasil está repleto de leis extrativistas — que extraem recursos da coletividade para atender interesses de minorias. Com base na Lei nº 13.464, aprovada pelo Congresso Nacional em 2017, os auditores-fiscais passaram a receber um “bônus de eficiência” de R$ 3 mil mensais que se estende a todos os servidores, inclusive os inativos — posteriormente sancionado pela Advocacia-Geral da União e Tribunal de Contas da União.
Há casos que não envolvem dinheiro, mas que criam privilégios incompreensíveis. Com base na Lei nº 7.210/1984, Suzane von Richthofen, condenada por ter mandado matar a mãe e o pai, todos os anos tem autorização para sair do presídio no Dia das Mães e no Dia dos Pais. Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá, responsáveis por jogar do sexto andar a menor Izabela Nardoni, igualmente saem da prisão no Dia da Criança.
Por força da Carta Magna e de leis ordinárias, os filhos das famílias ricas entram nas universidades públicas para fazer cursos caríssimos (medicina, engenharia, agronomia, etc.) sem pagar nada e depois de gastarem fortunas nos cursos médios. Por força do Decreto-lei nº 23.322/1933 (incorporado à CLT), uma das categorias que mais ganham no Brasil (bancários) trabalha apenas seis horas por dia e 30 por semana.
Com base em várias leis, foram criados milhares de municípios, sendo que 90% não têm receita para pagar seus prefeitos, vereadores e demais servidores, o que exige socorro da União e dos estados. O novo Código Eleitoral aprovado pelos deputados federais aumentou a autonomia para os partidos políticos usarem os recursos dos fundos Partidário e Eleitoral; afrouxou os mecanismos de responsabilização dos eleitos; e tornou letra morta a obrigatoriedade de prestação de contas. No Poder Executivo, o quadro não é diferente. Em 2020, o governo deu aval para um grande volume de recursos para emendas parlamentares na esperança de manter engavetados os 130 pedidos de impeachment do presidente da República.
Não há espaço para citar as centenas de condutas interesseiras das instituições da República. Não é à toa que apenas 16% dos brasileiros confiam muito no Poder Executivo. Esse percentual cai para 15% em relação ao Poder Judiciário e 4% no caso do Poder Legislativo. Em relação aos partidos políticos, o índice é de apenas 3% (Instituto Datafolha, 25/09/2021). As incertezas geradas por essas condutas são altamente nocivas para os investimentos e para a geração de empregos. Os investidores ficam sem elementos para intuir o futuro. Afinal, eles dependem do futuro porque, como diz Charles Kettering, é lá que eles vão passar o resto da vida.
Se as instituições básicas do Brasil funcionam, resta explicar para quem? A conduta dominante dos agentes políticos é a de “como posso usar as instituições em meu proveito”. James Madison dizia que uma democracia só amadurece quando os governantes respeitam os governados e os governados controlam os governantes. Precisamos usar bem os recursos da internet e das redes sociais para chegar a esse estágio. Esse é um poderoso novo recurso.
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