Osso para matar a fome

rosane garcia rosanegarcia.df@dabr.com.br
postado em 04/10/2021 00:50


O novo coronavírus não é só responsável pela morte de quase 600 mil brasileiros. O ataque pandêmico do vírus parou o planeta e, no Brasil, serviu, como cortina de fumaça, para encobrir o fracasso das políticas sociais e econômicas. Em mil dias, o governo brasileiro, com o auxílio da pandemia, conseguiu reinserir o país no Mapa da Fome, do qual havia saído em 2016. A miséria e a fome são uma cruel realidade para 19 milhões de brasileiros. O número de desempregados alcança taxas recordes, ao atingir mais de 14 milhões de trabalhadores e seis milhões de desalentados.

Hoje, milhares de brasileiros disputam ossos e retalhos de carnes, antes destinadas aos cães, para ingerir, minimamente, alguma proteína animal e amenizar a dor da fome. A tradicional combinação feijão com arroz atingiu valores proibitivos para enorme parcela da população. “Uma em cada duas famílias brasileiras sofre de insegurança alimentar — ou seja, seus membros não sabem, ao despertar, se poderão alimentar-se adequadamente ao longo do dia. Em apenas 12 meses, o preço do óleo de soja subiu 83,79%; o do feijão, 48,19%; e o do músculo, um dos cortes bovinos menos caros, 46,06%”, revela estudo do pesquisador holandês Jan Douwe van der Ploeg, professor nas universidades de Wageningen, na Holanda, e de Pequim, na China e parceiro intelectual de diversos movimentos camponeses pelo mundo afora, está empenhado em compreendê-lo. O estudo foi traduzido pela AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia.

Este obscuro cenário está instalado no Brasil, que se vangloria de compor a lista dos maiores exportadores de alimentos e de ter o agronegócio como um dos pilares da economia. Mas ressalte-se que entre 2019 e este ano, ingressaram no Brasil 1.165 agrotóxicos. Com a mudança da classificação, de acordo com os riscos à saúde, passou de 702 para 43 (redução de 93%) o número de produtos classificados como “extremamente” e “altamente” tóxicos, que a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomendou que fossem banidos das lavouras. Além da fome, os alimentos disponíveis podem afetar a saúde dos brasileiros, que não contam, em sua maioria, com o que há de melhor nas redes públicas.

Embora o desmonte do nefasto palco exija mudanças profundas nas relações entre poder e sociedade, alguns setores organizados da população, incorporados pelo espírito de humanidade e solidariedade, estão empenhados em construir alternativas à tragédia. Buscam espaços para produzir e ofertar comida de verdade, com alto teor nutricional, à população, ou seja, alimentos livres de venenos. Entre esses grupos, está o Fórum Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional dos Povos Tradicionais de Matriz Africana (Fonsanpotma).

O Fórum existe em 14 unidades da Federação, mas começou neste ano a se instalar no Distrito Federal e Entorno, com unidades em Planaltina, no Paranoá e no município de Águas Lindas (GO), sob a coordenação da professora Edna Andrade. A proposta objetiva formar lavouras e criar animais, observadas as mais modernas técnicas da agroecologia, garantindo os legados da ancestralidade africana. A meta é criar cooperativas de produção para assegurar emprego e renda e, principalmente, ofertar comida de verdade à sociedade. O trabalho do fórum se soma ao de outras instituições, formadas por quilombolas, povos originários e organizações agroecológicas.

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