OPINIÃO

Azul de metileno

Correio Braziliense
postado em 05/10/2021 06:00

RICARDO NOGUEIRA VIANA- Delegado chefe da 6ª DP e professor de educação física

E lá se foi setembro. O mês da seca, dos Ipês, das manifestações, das tensões institucionais e das mortes. A pandemia ainda vige, entretanto, o mundo teve que aprender a engatinhar paralelamente ao vírus, que marcou as vidas dos que sobreviveram e levou milhares dos que adoeceram. Ninguém se voluntariou e, de repente, idosos, jovens, adolescentes, ricos e pobres tiveram suas partidas antecipadas por conta do inesperado coronavírus. Além dos compulsórios óbitos, há pessoas que seguem o caminho da morte, em tese, espontaneamente, ou seja, ceifam suas vidas por razões desconhecidas, até mesmo dos que os ladeiam.

Entoando este triste fato, o mundo celebrou o Setembro Amarelo, uma campanha educativa com vistas a chamar atenção para uma situação que pouco se fala, mas incomoda e entristece a todos, o suicídio. Coincidentemente à data, a Polícia Civil do Distrito Federal deflagrou a operação Methylene Blue, com vistas a cessar as atividades de uma associação criminosa que fomentava esse tipo de conduta, ou seja, concitava pessoas a se matarem.

Uma investigação policial com vistas a coibir o suicídio? Não, mas quem instigava e auxiliava esse resultado de morte. Quando se opera o direito, há crimes tipificados que não se sabe o porquê de estarem positivados, ou seja, estão descritos na norma penal, mas raramente o Estado consegue enxergar e punir os seus autores. Suicidar não é crime, mas aquele que participa e colabora para este resultado material incorre nas penas cominadas no artigo 122 do Código Penal, punido com reclusão de 2 a 6 anos.

Após sete meses de investigações, a Polícia Judiciária desta capital conseguiu indigitar pessoas que se reuniram para praticar esse despautério. Em tese, indivíduos encontravam-se no ambiente virtual e eram convidados a participar de um grupo fechado. Ali, trocavam informações, aconselhavam, encorajavam e receitavam produtos, inclusive com inibidores de dor para minimizar o sofrimento na hora da morte. Quem seguisse o caminho do desconhecido, era retirado do grupo. Pessoas faleciam mas, o mais surpreendente, o núcleo do grupo, inclusive o seu administrador, não saía e também não experimentava das suas próprias prescrições.

Em 2020, 800 mil pessoas se suicidaram no mundo. O Brasil assimilou 12 mil óbitos, ocupando o oitavo lugar neste triste ranking. A vida é um direito absoluto, irrenunciável e inalienável. Sob uma visão teológica, após Deus criar o mundo, fez o homem diante de sua imagem e semelhança. Mas qual similitude teríamos com o onipotente que nos levaria a renunciar a própria vida ou corroborar para o término da vida alheia? Nenhuma! De forma superficial, poderíamos caracterizar o suicida em três contrapostos adjetivos: corajoso, covarde ou enfermo. Em uma primeira análise, despojar-se do direito à luz pelos próprios meios, seria ou não uma atitude audaz. Em oposição à ousadia, vislumbra-se a fraqueza humana a ponto de abrir mão do milagre da vida diante dos obstáculos do cotidiano. Em última razão, somente questões patológicas poderiam traduzir a ação de dar termo à própria existência.

Segundo a OMS, o suicídio virou uma epidemia com extensões globais, portanto, é uma questão de saúde pública. Suicidar não é um ato de coragem, tampouco covardia, mas um estado de conflito ocasional em que a pessoa se encontra e, com vistas a romper pressões sociais, sentimentos de culpa, remorso, depressão e ansiedade, sacrifica-se a si mesmo. Diante de uma visão espiritual-cristã, presume-se punições aos suicidas, pois a cada um foi dada uma missão e não teríamos nós o direito a interrompê-la antes do chamado Divino. Ao compulsar o decálogo, não encontramos o ato de se autoexterminar, ou seja, diante da porta estreita, quem seríamos nós para julgar esse tipo de ação.

Do prisma criminal, nada ocorrerá a quem interrompe o fluxo da vida, nem mesmo em sua forma tentada, entretanto, aqueles que se beneficiam de seus prazeres imorais incentivando a morte alheia, cabe ao Estado puni-los ou tratá-los, caso não tiverem discernimento do malefício de suas condutas. A operação policial cumpriu mandados de prisão e de busca em diferentes unidades da Federação e os presos encontram-se à disposição da Justiça. O nome que intitula esse artigo é justamente o antídoto que salvaria a vida dos que seguiram a recomendação dos falsos mentores. O mês de setembro passou, mas o diálogo sobre este tema deve ser frequente e percorrer escolas, famílias, instituições, poder público e instituições privadas. A partir da educação, sem medo e pudor para falar sobre o suicídio, podemos chegar à prevenção, isto é, salvar vidas e mostrar àqueles que sofrem, que viver vale a pena.

 

 

 

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