OPINIÃO

Sem um sistema nacional, a educação não será ampla nem justa

Correio Braziliense
postado em 09/10/2021 06:00

ANGELA DANNEMANN - CEO da Fundação Itaú Social

MARIANA LUZ - CEO da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal

A pandemia da covid-19 expôs e esgarçou as desigualdades em todas as etapas educacionais brasileiras, desde a educação infantil até o ensino superior. Enquanto algumas redes ofereceram plataforma própria de ensino remoto e implementaram sistemas de avaliação durante este período, outras, em localidades mais vulneráveis, tiveram dificuldade até mesmo para entregar materiais impressos para os estudantes que não contavam com acesso à internet. Isso sem mencionar os desafios específicos da educação infantil, onde as ferramentas do ensino remoto não podem ser aplicadas como nas demais etapas: nesta fase, o uso de telas é recomendado com a supervisão de um adulto e para os menores, é desaconselhado pelos profissionais de saúde.

Ficou evidente que a falta de coordenação e de parâmetros equilibrados entre os entes federativos comprometeu a equidade do cenário educacional, em que pese todos os esforços dos municípios para colocar em pé, em tempo recorde, estratégias para manter algum nível de atividades com nossas crianças e jovens em quase um ano e meio de pandemia.

Há anos, o Brasil é referência mundial com o Sistema Único de Saúde (SUS), que, mesmo com todos os seus desafios, confere aos usuários condições universais de acesso à saúde. Na pandemia e em outras campanhas de imunização, por exemplo, a vacina chega para todos os 5.570 municípios brasileiros, inclusive aos mais isolados, e com menor receita, de forma equânime, de acordo com o número da sua população. São estratégias com capilaridade e alcance para chegar às mais remotas unidades básicas de saúde, por meio de parcerias com estados e municípios.

Na educação, diante de milhares de redes municipais, além das estaduais, temos um desafio de governança e gestão. De acordo com nota técnica do Todos Pela Educação, a ausência de marco regulatório nacional gera deficiências operacionais ao sistema educacional brasileiro e prejudica fortemente o diálogo, a negociação e a pactuação entre União, estados e municípios. Precisamos de papéis e relações melhor definidas e mais coordenação de esforços.

Divulgado recentemente, o relatório Education Policy Outlook: Brasil 2021, produzido pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico(OCDE) em parceria com o Itaú Social, destacou que estratégias governamentais mais amplas, de médio e longo prazo, são o caminho para reverter o quadro de desigualdade econômica e social que persiste no Brasil.

Para isso, o Sistema Nacional de Educação (SNE) deverá articular políticas públicas que possam promover a equidade, desenvolvendo o potencial de pessoas mais vulneráveis para que consigam superar barreiras de origem social, de gênero e de raça. O SNE tem a promessa de cumprir o princípio do “regime de colaboração”, ou seja, pode melhorar a governança e a pactuação das políticas educacionais entre estados e Distrito Federal, garantindo uma equalização que consolide o direito à educação.

Esta é uma discussão antiga, com mais de oito décadas, que, agora, volta à pauta no Congresso Nacional para a regulamentação deste instrumento. O assunto conta com o apoio de colegiados como a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), que, ao longo do tempo, têm sido exemplos do potencial de articulação dos sistemas para responder a contextos urgentes.

Importante destacar, como sabiamente escreveram os especialistas Binho Marques e Flávia Nogueira, em artigo, que o SNE não é um sistema único, mas um sistema de sistemas. Ele traz questões centrais que envolvem a sua criação, como a conceituação, financiamento, condições e recursos humanos, garantia e fortalecimento de instâncias de participação e controle social, além de articulação com os planos municipais, estaduais e nacional de educação.

A cultura da colaboração está sendo implementada no Brasil há pelo menos três décadas, contribuindo para reduzir a desigualdade educacional. No entanto, está limitada a iniciativas independentes e isoladas. Contamos com a Rede de Colaboração Intermunicipal em Educação, que reúne atualmente oito estados e 21 iniciativas de colaboração, como Consórcios Intermunicipais, ADE (Arranjos de Desenvolvimento da Educação), Associações de Municípios, entre outras.

Para se ter uma ideia da potência dos territórios colaborativos, consórcios de São Paulo e da Paraíba conseguiram melhorar o rendimento escolar dos seus estudantes, além de alcançar ganhos de escala em compras e logística, por meio de ações coordenadas.

De acordo com uma avaliação realizada pelo programa Melhoria da Educação, do Itaú Social, o Consórcio Intermunicipal do Vale do Paranapanema/SP (Civap), que congregava 25 municípios na época da avaliação, em 2017, aumentou 0,64 ponto percentual na taxa de aprovação das escolas e reduziu em 1,03 ponto percentual a distorção idade/série.

No Consórcio Intermunicipal de Gestão Pública Integrada dos Municípios do Baixo Rio Paraíba/PB (Cogiva), com 15 municípios, a melhoria do rendimento escolar foi traduzida em um aumento de 6,04 pontos percentuais na taxa de aprovação das escolas, sendo a maioria delas unidades frequentadas por alunos de menor nível socioeconômico. O programa também conseguiu aumentar em 0,277, na média, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb).

A regulamentação do SNE tem por objetivo trazer à educação os benefícios de um sistema de governança, de cooperação. A pandemia escancarou nossas dificuldades derivadas desta desarticulação. Precisamos, mais do que nunca, transformar o SNE em realidade, pois isso significa, finalmente, colocar a educação como uma pauta da nação.

 

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