Opinião

Saúde baseada em valor

Em 2006, com o lançamento do livro que se tornou um clássico da área, Repensando a Saúde, o professor Porter coloca o dedo na ferida da inflação médica, explicando por que as inovações permanentes no setor, ao contrário de outras áreas, levam a um incremento de custos

mestre em economia pelo IBMEC e atual diretor do Hospital Azevedo Lima.
MARCUS VINICIUS DIAS - Médico do Ministério da Saúde
postado em 11/10/2021 06:00

O dicionário Michaelis define valor como o “preço que se atribui a algo”; ou a “qualidade pela qual se calcula o merecimento intrínseco ou extrínseco de algo ou alguém”; o “preço elevado”; o “número ou dígito que se obtém por meio de cálculo”; o “conjunto de qualidades excepcionais que atraem respeito e consideração dos outros”; entre outras definições. Mas, afinal, o que de fato tem valor para você? E, a partir dessa resposta, o que você valoriza, de fato ,em termos de saúde?

Para a economia, o conceito de valor se refere à produção alcançada em relação ao custo ocorrido. Mas isso para quem é cuidado, ou cuida, não diz muita coisa. Para o paciente, de modo intuitivo e automático, o que tem valor é ter saúde; para o médico, é ver o seu cliente bem recuperado da doença, em síntese.

Mas foi um engenheiro espacial que melhor captou o conceito de valor expresso por trás do desejo real de usuários e prestadores dos sistemas de saúde. Michael Porter, professor da Harvard Business School, inaugurou uma era no entendimento do que se deve almejar como entrega ao usuário pelos serviços de saúde. Em 2006, com o lançamento do livro que se tornou um clássico da área, Repensando a Saúde, o professor Porter coloca o dedo na ferida da inflação médica, explicando por que as inovações permanentes no setor, ao contrário de outras áreas, levam a um incremento de custos, ao contrário de gerar uma diminuição.

Porter inaugura o conceito de saúde baseada em valor, que pode ser definido, de modo generalista, como o melhor resultado assistencial possível para um determinado agravo, ao menor custo. Resta claro que, embutido nessa estratégia, há um enorme apelo para medidas preventivas de manutenção e promoção da saúde. Também ressalta a importância do desfecho clínico de uma determinada doença, não valorizando, per se, a intensidade tecnológica envolvida na tática terapêutica.

Um dos pontos centrais do conceito de saúde baseada em valor está no modelo de remuneração. Hoje, predomina o chamado “fee for service”, pagando-se por quantidade de doenças tratadas. Por hipótese, não havendo doença, toda a cadeia produtiva da saúde vai à bancarrota, pois ninguém seria remunerado. No modelo baseado em valor, remunera-se o que de fato é o desejo maior do usuário: a saúde. E, na outra ponta, o objetivo de quem cuida: o melhor e mais pronto restabelecimento de seus pacientes.

Ao se remunerar pela saúde, o modelo de Porter incentiva a prevenção e premia quem tem melhor desempenho, tanto em termos assistenciais quanto no que tange ao custo. É o modelo do ganha-ganha, em que se beneficia, de modo efetivo, quem cuida e quem é cuidado. Com essa ideia disruptiva, esse professor de economia e administração americano abre as portas para uma saída segura da armadilha, insustentável no médio prazo, em que os modelos de saúde, pública e privada, se encontram atualmente. Ao se pagar por saúde, a medicina preventiva, hoje ainda sem o devido reconhecimento, passará a ser a estrela do sistema. Nada melhor para quem é cuidado do que não adoecer. Nada mais gratificante, em termos pessoais e financeiros, para quem é gestor da saúde, no micro e no macro, do que ver sua população manter-se saudável.

E dentro da alta complexidade, em que o nível de especialização e tecnologia é maior, os benefícios do modelo porteano não são menores. O usuário, ao ter acesso aos resultados médios dos desfechos clínicos das diversas doenças, poderá escolher se tratar em locais que apresentam os melhores resultados assistenciais; os gestores concentrarão seus recursos, via de regra insuficientes, de modo mais direcionado aos melhores prestadores, alcançando assim uma alocação de recursos mais eficiente; a turma da ponta, os prestadores, será recompensada pelo bom desfecho médio alcançado, obtendo uma remuneração diferenciada, com espaço para bonificações por metas superadas, além de maior volume global.

A saúde baseada em valor é, até o momento, a melhor tradução do real desejo de usuários e bons prestadores do sistema de saúde. Ao se dar transparência aos desfechos dos serviços, resguardando-se, claro, as individualidades, e respeitando-se a comparação entre o mesmo nível de complexidade, tem-se a chance de dar ao paciente a oportunidade de buscar pela melhor saúde, e para quem cuida de investir em prevenção e praticar uma assistência que ofereça um melhor desfecho, sem ser penalizado financeiramente.

E ao se buscar o que de fato tem valor na saúde, um ciclo virtuoso, visando aos melhores resultados, assistenciais e orçamentários, se iniciará de modo irreversível. Expurgar-se-á de modo indelével quem não entrega valor e não queira se aperfeiçoar para fazê-lo; e se premiará quem de fato entrega valor a quem lhe procura, muitas vezes num momento de fragilidade; e se permitirá a quem usa o sistema buscar o que de fato tem valor: saúde.

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