Se antes da pandemia do novo coronavírus as desigualdades sociais já faziam o Brasil corar de vergonha, agora, a situação se tornou insustentável. Famílias estão sendo obrigadas a conviver com hábitos do início do século passado, como cozinhar em fogão a lenha e a usar lamparinas, porque, simplesmente, não têm dinheiro para comprar um botijão de gás e arcar com a conta de luz. Nas ruas das grandes capitais, pessoas disputam com cachorros ossos jogados no lixo por açougues.
Boa parte desse quadro assustador decorre da combinação explosiva de inflação em disparada com baixo crescimento econômico e desemprego nas alturas, mas, também, da falta de políticas públicas inclusivas. Por falta de visão, o governo não consegue pôr em prática medidas voltadas aos mais pobres, a começar por uma educação de qualidade. Tudo é decidido com viés ideológico e sob a ótica fiscalista de que gasto social não é bem-visto, é dinheiro desperdiçado, sem nenhum retorno.
Não por acaso, estudo realizado pelo Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV Social), com base em dados internacionais do Gallup World Poll, aponta que o Brasil foi onde as desigualdades mais aumentaram nos últimos dois anos entre 40 países analisados. O Brasil se sai pior em todos os itens que medem a percepção da população em relação à saúde, educação e meio ambiente. A deterioração foi ainda mais forte entre aqueles de renda mais baixa.
Diz Marcelo Neri, do FGV Social: “A pandemia é um choque global que afeta o dia a dia do mundo inteiro. Mas, no Brasil, a administração e o gerenciamento das áreas de saúde, educação e meio ambiente foram piores. Por isso, tivemos resultado abaixo da média”. Ele emenda: “A crise sanitária deixou marcas sociais e econômicas muito fortes. Houve uma inversão de tendências. A desigualdade vinha diminuindo e a educação, apesar de ruim, também melhorava. Agora, tudo mudou”.
O entendimento dos especialistas é claro: se nada for feito rapidamente para reverter essa tendência, o Brasil, mais uma vez, deixará o futuro para depois. Não se trata de defender o inchaço do Estado ou políticas a qualquer custo. O momento exige foco e eficiência. É definir o que realmente é prioridade. Não é isso, porém, o que se tem visto. O Brasil se transformou em um celeiro de crises, em que o que menos importa é o bem-estar da população. Milhões caminham para a miséria.
É imperativo destacar, contudo, que o trabalho de reconstrução do país não cabe apenas ao Executivo. O Congresso também tem papel preponderante nesse processo. Deve, por ser a Casa do povo, aprovar medidas que incrementem o crescimento econômico, a renda e o emprego. Não se dedicar às miudezas da política, favorecendo grupos específicos, que usam emendas milionárias para superfaturar obras e engordar a conta-corrente de poucos.
O Brasil já deu mostras do seu potencial e foi referência mundial em inclusão social, na educação e no meio ambiente. Portanto, basta que as autoridades façam o seu trabalho e deixem de lado a visão estreita que resulta, por exemplo, em cortes de 90% das verbas para ciência e pesquisas e no veto à distribuição de absorventes íntimos para mulheres em situação de vulnerabilidade. Sem ações contundentes para curar as feridas escancarada pela pandemia, o país corre o risco de perder várias gerações.
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