RAFAEL PARENTE*
Recentemente, comemoramos o centenário de Paulo Freire. Foi lindo ver as redes sociais tomadas de publicações resgatando seu valioso patrimônio educacional e humano. Entre tantos ensinamentos deste mestre, o patrono da Educação brasileira, tem um que me toca de forma especial. É justamente quando ele diz que “se, na verdade, não estou no mundo para simplesmente a ele me adaptar, mas para transformá-lo; se não é possível mudá-lo sem um certo sonho ou projeto de mundo, devo usar toda possibilidade que tenha para não apenas falar de minha utopia, mas participar de práticas com ela coerentes”. É algo que se reflete na minha vida provavelmente antes mesmo de eu ter noção de quem era Paulo Freire.
Sou brasiliense, filho de um economista e de uma professora. Cresci no ambiente de equilíbrio entre o pragmatismo da gestão e a sensibilidade do ensino. E numa cidade com inegável importância, reconhecidas belezas e incômodas desigualdades. Foi a partir deste lugar — sonhado por Dom Bosco, idealizado por JK e desenhado por Niemeyer e Lúcio Costa — que tive minhas primeiras impressões e moldei minhas relações de mundo.
E que bom tê-las feito no meio de tantas árvores, de uma convivência tão intensa com o meio ambiente, de uma educação para o trânsito que foi exemplo, de projetos tão inovadores, como as escolas parques. E também de tanta diversidade de sotaques, jeitos, comidas, costumes, nesse maravilhoso mosaico humano que forma nossa Capital. Escolhi ser professor, como minha mãe, por entender o papel estratégico e fundamental da educação para a tão sonhada transformação social. E percebi o quanto o ensino só acontece com uma gestão eficiente, transparente e correta. Aí o exemplo do meu pai contribuiu de forma decisiva.
Eu me formei, morei fora, busquei qualificação, conheci projetos incríveis no Brasil e pelo mundo. Integrei a gestão municipal no Rio de Janeiro e tive a honra de ser secretário de Educação do Distrito Federal, a minha casa. Quando iniciei essa jornada, em 2019, percebi uma grande demanda da comunidade escolar do DF por atenção, diálogo e por uma construção coletiva. Tomei a decisão de implementar o projeto Caravanas da Educação, que percorreu todas as diferentes regiões ouvindo professores, estudantes, profissionais e familiares em busca de soluções para um ensino melhor e mais inclusivo.
Quando percebi que a minha utopia de uma educação livre e emancipatória não encontrava apoio no GDF, conduzido de forma autoritária e sem compromisso com a causa, deixei o cargo para ser coerente com a minha história e com o que acredito. Hoje, a minha leitura é de um abandono e uma tristeza coletiva. Vivemos o luto da covid, que abreviou a vida de tanta gente que não deveria ter morrido, e a tristeza que se agrava por outras tantas perdas.
As pessoas perderam o emprego, perderam renda, perderam seu poder de compra. Perdem na saúde, na educação, na falta de segurança. Perdemos com a total ausência de governo. Justamente quando as pessoas mais precisam da ação do Estado, encontram negação e descaso. O Brasil sofre as consequências de ser “liderado” por alguém absolutamente despreparado para os desafios de um país desta envergadura num momento tão complexo da nossa história. E, aqui, na capital do país, temos um governador também incapaz e que não se importa com a população. Continua cuidando dos seus negócios e das suas fazendas, mas é inábil para cuidar das pessoas.
Tenho andado muito por nossa cidade, ouvindo e conversando com gente de diferentes classes sociais, sexos, etnias, idades e locais. Todas têm uma sabedoria valiosa e contribuições relevantes a dar. Num momento de tanta polarização e intolerância, em que os diferentes não se escutam e não aprendem junto, sou um entusiasta da construção de pontes.
E não falo de obras para atravessar de um lado ao outro do Lago Paranoá, mas do necessário diálogo capaz de encontrar pontos de convergência que nos permitam falar de sonhos. O sonho de voltar a viver em um DF que nos orgulhe e nos motive a seguir em frente.
De uma educação pública de qualidade e equidade. De uma saúde que atenda a todos de forma respeitosa. De um cerrado preservado, mais marcado pelas cores dos ipês do que pelas chamas do fogo. O sonho de viver em uma Brasília de Prosperidade. Para Todos! Sem exceção! Pode parecer delírio de um sonhador, mas só realiza quem sonha e acredita. E eu encerro mais uma vez buscando inspiração em Paulo Freire: “meu sonho de sociedade ultrapassa os limites do sonhar que aí estão”.
*Professor, ex-secretário de Educação do Distrito Federal e PhD em Educação pela Universidade de Nova York (NYU)
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