RODRIGO DE BITTENCOURT MUDROVITSCH - Doutor em direito pela Universidade de São Paulo (USP). Sócio-fundador de Mudrovitsch Advogados
GUILHERME PUPE DA NÓBREGA - Doutorando em direito pelo IDP. Sócio em Mudrovitsch Advogados
No último dia 6, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei nº 2.505/2021 (originalmente nº 10.187/2018), que empreendeu profundas reformas na Lei de Improbidade Administrativa (nº 8.429/1992). Produto de anteprojeto elaborado por comissão de juristas, com sensíveis mudanças ao longo de tramitação, que congregou amplos debates, a inovação normativa, em que pese o amadurecimento por que passou ao longo de mais de três anos, ensejou ruidosa repercussão a pôr em dúvida seus méritos e a questionar se não estaria ela a patrocinar a impunidade. De modo a recompor algumas questões e a contrapor um discurso crítico não raro enviesado, permitimo-nos tecer algumas considerações que, objetivas, talvez tragam consigo o predicado da elucidação:
a) a mudança não favorece impunidade: com um mote que visou a justamente coibir abusos e a evitar a dissuasão de bons quadros, as alterações, em nosso sentir, resgatam a essência da improbidade administrativa como instituto, prevenindo sua banalização. São inegáveis os bons préstimos da lei nas últimas décadas, mas, refém de sua própria “eficiência”, a norma observou excessos capazes de fazer emergir reflexões sobre seu necessário aprimoramento;
b) de modo geral, inobstante haja um maior ônus argumentativo para que se condene alguém, há, em contrapartida, um agravamento das sanções passíveis de serem impostas a agentes ímprobos; isto é, revigoram-se os direitos fundamentais processuais, conquanto se punam mais severamente aqueles que verdadeiramente mereçam a pecha de ímprobos; e
c) a eliminação de rol exemplificativo, da modalidade culposa e do dolo genérico de fato excluem uma série de comportamentos que poderiam merecer censura, o que, absolutamente, não quer dizer que falhas ou erros, notadamente quando graves, fiquem a descoberto. O que se deve ter em mente é que a improbidade é somente uma das veredas punitivas (excepcional e, talvez, das mais gravosas), mas, seguramente, não é a única, havendo nas esferas cível, disciplinar e criminal terreno fértil para pretensões sancionadoras.
Insistimos, na esteira dos três pontos acima: improbidade é ilícito consubstanciado em imoralidade gravíssima, legalmente qualificada, que aproxime a conduta típica a uma desonestidade latente e de alta censura. Seu âmbito de vigência material não há (ou não haveria) de contemplar erros formais, ou mesmo equívocos, muito embora se o tenha feito com alguma frequência ao longo dos últimos quase 30 anos. Daí a importância de um ajustamento da mencionada lei, para calibrá-la mais adequadamente ao seu verdadeiro objetivo.
Eis, pois, o ponto que merece ficar claro: não se pode placitar uma conversão da Lei de Improbidade em plataforma de práticas capazes de produzir efeitos colaterais tão ruins ou até piores que a própria chaga enfrentada. Certamente, a ninguém interessa uma evasão de bons agentes da esfera pública; nenhum proveito gera um engessamento da máquina, fruto de um temor reverencial normativo; inexiste vantagem em ocupar a administração com atividades-meio, que mais se ocupem de blindar e prevenir qualquer sorte de posicionamento que de executar e planejar suas atividades-fim. Enfim, não pode o direito patrocinar o uso de seus institutos de modo a produzir efeitos contrários ao próprio direito.
É claro que é possível que a reforma da Lei de Improbidade inspire opiniões sobre uma aparente leniência normativa com agentes ímprobos. Essa visão, contudo, padece do mesmo erro de perspectiva que se buscou combater com a mudança: a de que todo réu em improbidade seria presumidamente culpado. Não deve o escopo da lei identificar sua pretensa efetividade com facilitação de condenações, mas sim dotar o sistema de ferramentas que, como vetores de realização de direitos fundamentais, concretizem o devido processo legal e garantam substancialmente a ampla defesa.
Por tudo o que foi dito, o que observamos com a reforma em questão não foi, de modo algum, uma flexibilização do combate à improbidade, mas, sim, um reequilíbrio do instituto e seu resgate, menos como plataforma para exercício de um desmedido poder punitivo e mais como uma proteção a direitos e garantias individuais capaz de evitar uma confusão entre honestos e desonestos.
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