Crônica

Crônica da Cidade: Aos filhos de Iva e Yara

"A dor consegue ser solidária, mas extremamente solitária também. Cada um lida com ela no seu tempo e espaço"

Ana Dubeux
postado em 27/10/2021 08:48 / atualizado em 30/10/2021 10:18
 (crédito:  Zuleika de Souza/CB)
(crédito: Zuleika de Souza/CB)

Não se escreve a pessoas queridas, golpeadas com o corte profundo da morte precoce das mães, impunemente. Há sofrimento aqui por dentro, elevado pelo risco de não saber dizer. Nunca a ser comparado ao de vocês. A dor consegue ser solidária, mas extremamente solitária também. Cada um lida com ela no seu tempo e espaço.

O que dizer a vocês? Drummond já disse: "Fosse eu rei do mundo / Baixava uma lei / Mãe não morre nunca / Mãe ficará sempre junto de filho". E fica, de algum modo, fica, eu te digo, Júnior, meu primo. Confie que fica.

Podia te dizer que passa essa dor, como passa verso de música, voo de pássaro, riso solto, vento bom, chuva forte. Mas Iva, sua mãe, não passa. Yara também não passa. Fica no coração e em cada memória boa.

Não era para ter sido assim — ou era? Era a volta da festa dos netos gêmeos de Iva, seus filhos, Júnior, momento de encontro em família, de alegria, leve como vocês sempre foram. Ela me contou antes de ir sobre sua ansiedade e felicidade. A morte é mesmo o maior dos mistérios. Como confrontá-la? Como contornar, desviar, enganar?

Quando recebi a notícia do acidente que matou Iva e Yara, duas irmãs, minhas primas, abriu uma fenda grande aqui, e logo o abismo ia crescendo ao imaginar o seu voo cego, Júnior, à procura do colo que já não há. Também o de seus irmãos, Nataly e Luiz Gustavo, também o de Flávia e Janaína, filhas de Yara.

A gente fica querendo ser bússola, palavra, vela, qualquer coisa que possa ser luz e direção para vocês. Mas a gente não pode, ninguém pode.

Iva sentia tanto orgulho de vocês, Júnior. Quando você me respondeu à mensagem de condolências, foi de saudades que você falou e desse chão que não há. E, ao mesmo tempo, disse que se segura por ela. Lembrei de uma tese: dizem que mãe não vai em paz sem que os filhos aceitem minimamente a despedida.

Conhecendo a família, e você, Júnior, em especial, por sua trajetória de vitórias, sei que, de alguma forma, a conciliação vai chegar aí no seu coração. Como se dor e amor fizessem as pazes — quase uma relação médico-paciente que você tão bem conhece.

Fico por aqui, torcendo para que todos vocês, meus primos, consigam encontrar um caminho e que a força de suas mães possa, de alguma forma, chegar até vocês. Contem com a gente aqui.

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  • 28/ 09/1993. Crédito: Carlos Eduardo/CB/D.A Press. Brasil. Pomba branca representando a Paz
    28/ 09/1993. Crédito: Carlos Eduardo/CB/D.A Press. Brasil. Pomba branca representando a Paz Foto: Carlos Eduardo/CB/D.A Press
  •  Crédito: Maurenilson Freire/CB/D.A Press. Pomba branca voa e carrega ramo de oliveira no bico atravessa pano preto.
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    Crédito: Maurenilson Freire/CB/D.A Press. Pomba branca voa e carrega ramo de oliveira no bico atravessa pano preto. Caption Foto: Maurenilson Freire/CB/D.A Press

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