OPINIÃO

Diálogo com a vida concreta e o tempo presente

Correio Braziliense
postado em 30/10/2021 06:00
 (crédito: Caio Gomez)
(crédito: Caio Gomez)

Por CECÍLIA BIZERRA SOUSA - Jornalista, doutoranda em Comunicação (UFMG) e integrante da Cojira-DF

Em Intelectuais Negras, bell hooks — intelectual negra estadunidense que referencia teoricamente o que se conhece como Pensamento Feminista Negro —, é categórica ao definir o que é ser intelectual: "Transgredir fronteiras discursivas, saindo de sua zona de conforto — uma atitude intrínseca e vitalmente política". A definição da autora se conecta com a proposta da intelectual negra brasileira Rosane Borges no livro Fragmentos do Tempo Presente, que será lançado na próxima sexta, dia 5 de novembro, no canal do YouTube da autora (Esboços do Contemporâneo), às 19h.

Com participação do rapper Emicida, da jornalista Luciana Barreto, mediação do professor e dramaturgo Marcos Fábio de Faria (Laboratório Editorial Aquilombô), e apresentação do jornalista Miguel Arcanjo Prado, esse lançamento promete oferecer ao público um pouco do que é o livro, que tem prefácio assinado pelo jurista e intelectual Silvio Almeida, orelha pelo jornalista e intelectual Muniz Sodré, quarta capa por Fabiana Cozza, cantora, escritora e pesquisadora e Flavia Lima, editora de Diversidade do jornal Folha de São Paulo.

O livro traz reflexões mais densas e analíticas sobre (ou a partir de) assuntos do cotidiano, feitas no momento que os fatos desencadeadores aconteceram, ou data próxima. As discussões passam por diferentes olhares sobre a atuação da imprensa e o universo das mídias em geral — seu principal locus de reflexão — e por temas diversos, como violência sexual, política internacional, reforma trabalhista, direitos humanos, racismo, machismo, educação, arte. A autora aborda assuntos de relevância social e política que repercutem e trazem entre seus desdobramentos consequências que afetam a vida coletiva.

Rosane, para além do livro, manifesta em sua ação prática a ideia de intelectual defendida por hooks, pois extrapola os muros da academia e penetra espaços de fala e reflexão mais amplos. Entre eles, os próprios meios de comunicação (o livro, inclusive, é uma reunião de artigos publicados em diferentes veículos), redes sociais, fóruns e eventos voltados para a discussão política em sua dimensão mais específica e finalística.

Lembro-me, inclusive, de quando ouvi Rosane falar pela primeira vez. Foi num desses eventos, em 2013, e a pauta era comunicação negra. Discutia-se ações e políticas de comunicação para a promoção da igualdade racial. Sem excluir a importância do que mais foi dito, marcou-me em sua fala a defesa da utilização, nos cursos de jornalismo, de autores como o jornalista e teatrólogo João do Rio, entre outras referências não canônicas ou não tão usuais na grade curricular das faculdades de comunicação.

Depois disso, tive notícia e acompanhei Rosane em outras atividades da mesma natureza, sempre com um posicionamento assertivo, contundente e generoso. Terceira escritora publicada pelo Laboratório Editorial Aquilombô, residência do Fórum Permanente das Artes Negras, ela é mentora intelectual do projeto, que se propõe a publicar autores negros, LGBTQIA e indígenas e já lançou obras de Cristiane Sobral e Cidinha da Silva.

A ação prática de Rosane mostra que viver este tempo sem se relacionar com a experiência concreta da sociedade sobre a qual se reflete academicamente; sem incluir em suas reflexões e ações a política do cotidiano, e sem transgredir fronteiras discursivas (e outras), é inútil. Ouso dizer que é incoerente. E o que ela disponibiliza nos ajuda não apenas a compreender o concreto que se coloca diante dos nossos olhos, mas, também, oferta elementos capazes de nos municiar para a intervenção crítica diante dessa realidade.

Como bell hooks, talvez também adote tal postura por forças mais poderosas que sua própria vontade. Mulher negra maranhense radicada em São Paulo, integra um grupo social marginalizado e privado de direitos por parte do Estado; estigmatizado e inferiorizado pela sociedade em geral. Sua postura, "intrínseca e vitalmente política", condiz com o que bell hooks propõe: o trabalho intelectual como parte importante (e necessária) da luta pela libertação das pessoas oprimidas e/ou exploradas "que passariam de objeto a sujeito que descolonizariam e libertariam suas mentes."

Fragmentos do Tempo Presente e a ação prática de Rosane se conectam com a compreensão de bell hooks, com a qual concordo plenamente, sobre a vida intelectual: ela não precisa nos separar da vida real, mas pode (e deve) nos capacitar para participar mais plenamente da sociedade em que estamos inseridas.

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