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Os militares e o poder

Correio Braziliense
postado em 09/11/2021 06:00
 (crédito: maurenilson freire)
(crédito: maurenilson freire)

Por ANDRÉ GUSTAVO STUMPF - Jornalista

Os militares estão no poder no Brasil desde o início da República. A monarquia constitucional desabou em 15 de novembro de 1889. O golpe da proclamação do nosso regime ocorreu quase por acaso. O objetivo dos revoltosos era derrubar o gabinete Ouro Preto.

Mas, em meio a muitos boatos, conversas desencontradas, ameaças vazias, fake news da época, os revoltosos tiraram o marechal Deodoro da Fonseca da cama. Ele estava muito gripado, subiu no cavalo, no campo de Santana, no Rio de Janeiro, hesitou, mas soltou o grito: "Viva a República".

O sistema político brasileiro se iniciou sob a bênção dos militares. A tropa queria aumento, maior participação no governo e institucionalizar as Forças Armadas. O imperador achava que só deveria haver exército quando houvesse guerra. Acabada a do Paraguai, seria natural extinguir a força terrestre. A essas reivindicações, somaram-se queixas dos fazendeiros que perderam a mão de obra escrava, desde a assinatura da Lei Áurea, no ano anterior.

Esse conjunto de circunstâncias derrubou a monarquia. D. Pedro II reinou por 49 anos e colocou dois militares no poder: Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto. As ideias positivistas tinham chegado ao Brasil por intermédio dos militares. A Igreja Positivista do Brasil — cujas ruínas resistem até hoje no bairro da Glória, no Rio de Janeiro — previa a ordem e o progresso como requisito para o aperfeiçoamento da sociedade, por meio de um sistema de governo protegido de insurreições ou rebeliões. Seria a ditadura republicana. O dístico Ordem e Progresso está na bandeira do Brasil.

Os militares fizeram a Revolta dos 18 do Forte, em julho de 1922. Dois anos depois, iniciaram, a partir de São Paulo, a longa marcha, chamada de Coluna Prestes, que atravessou o país na diagonal. Saiu do oeste do Paraná e caminhou até o Rio Grande do Norte. Passou pelo quadrilátero que hoje abriga o Distrito Federal. Os militares descobriram o Brasil nesta marcha. E tiraram conclusões políticas.

Luís Carlos Prestes foi para Buenos Aires, onde conheceu o ideário comunista. Os outros se organizaram para tomar o poder. E chegaram a ele com Getúlio Vargas na Revolução de Trinta. Mas o gaúcho, que era um político esperto e hábil, permaneceu no poder durante 15 anos.

No golpe de 1964, remanescentes da Coluna Prestes chegaram ao poder. A política entrou nos quartéis e a hierarquia saiu por uma porta lateral. As sucessões presidenciais ocorridas dentro dos comandos colocaram fardados contra fardados. Os generais se revezaram no poder cumprindo o mandato presidencial, mas sem eleições diretas.

Os governos militares concederam prestígio à economia e à agricultura. Criaram, por exemplo, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), que permitiu a formidável expansão do agronegócio no país. O Brasil era importador de alimentos e de petróleo. Atualmente, exporta os dois itens em quantidades inimagináveis naquele período.

Hoje, o mundo é diferente. As guerras não serão travadas pelos meios tradicionais. Aviões serão substituídos por drones operados a partir de bases secretas e seguras. Carros de combate e até navios poderão ser autônomos ou teleguiados a partir de quartéis distantes dos cenários do conflito. Mudou tudo.

Cada vez mais, civis orientam as ações dos militares, como ocorre nos Estados Unidos e nos países europeus. Aqui a presidência e a vice-presidência da República constituem algo parecido com um quartel. O Ministério da Defesa foi militarizado, assim como o Ministério da Saúde. Moderno é dispor de força armada reduzida, porém extremamente eficiente. E altamente informatizada.

A eleição de Bolsonaro chegou a ser percebida por militares de alta patente como um novo momento de 1964, dessa vez, por meio das urnas. O presidente, contudo, decepcionou em toda a linha. Protegeu filhos acusados de rachadinhas, permitiu a livre disseminação de notícias falsas, atacou os principais poderes da República, agrediu governos amigos, brigou com o vizinho Argentina, virou as costas para a União Europeia. O resultado desses desmandos apareceu no passeio turístico por Roma. Uma briga em cada esquina.

Perdeu o apoio da oficialidade. Teve que calar a boca, calçar as sandálias da humildade e fazer acordo com o Centrão, grupo que ele criticou duramente desde o início de seu mandato. O surgimento da candidatura do ex-juiz Sergio Moro recoloca os militares numa posição de expectativa. Ele tem a aprovação majoritária dentro da força por ter tido a coragem de julgar e condenar Luiz Inácio Lula da Silva. Seria, ao ver dos fardados, o resultado natural da evolução política brasileira. Dessa vez pela via eleitoral.

 

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