OPINIÃO

A quem interessa enfraquecer a Defensoria Pública?

Correio Braziliense
postado em 12/11/2021 06:00

Por Eduardo Kassuga - Presidente da Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos Federais (Anadef)

A Procuradoria-Geral da República (PGR) propôs 22 ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) questionando uma prerrogativa que a Defensoria Pública consolidou há quase 30 anos. Trata-se do poder de requisição que defensoras e defensores públicos têm de requerer das autoridades informações, documentos, certidões, processos e outras providências. O movimento espantou a sociedade civil, gerando manifestações enérgicas de parlamentares nas tribunas do Congresso Nacional, de organizações de direitos humanos e pessoas preocupadas com o acesso à justiça dos mais vulneráveis. No atual contexto social de pandemia, uma iniciativa incomum como essa só pode ser interpretada como uma manobra agressiva para enfraquecer a instituição.

A Defensoria tem um público-alvo em situação de extrema vulnerabilidade e insegurança social — pessoas com deficiência, em situação de rua, crianças e idosos sem recursos e assistência, vítimas de violência doméstica, cidadãos que demandam tratamentos médicos recusados pelo SUS, entre outras situações urgentes e contingenciais. Não raro, esses brasileiros chegam às portas do órgão sem documentos de identificação, assim como daqueles necessários à sua assistência jurídica. É muito comum, também, que eles estejam desprovidos da mínima condição de providenciá-los pelos meios formais.

Foi o que ocorreu, por exemplo, no atendimento de demandas relacionadas ao auxílio emergencial, em que a Defensoria Pública da União (DPU) atuou de forma decisiva. Parte das pessoas atendidas teve o pedido negado porque aparecia indevidamente listada em bancos de dados oficiais como portadora de vínculo empregatício. Por meio do poder de requisição, foi possível obter a comprovação da inexistência de emprego formal e acelerar, assim como em milhares de outros casos, o ingresso de ações com a justa pretensão dos assistidos.

As leis questionadas pelas ADIs asseguram que a Defensoria possa, em caráter compulsório, solicitar a órgãos públicos certidões e documentos essenciais para analisar a viabilidade jurídica das ações e instruí-las com qualidade. Se for aceita pelo Supremo Tribunal Federal (STF), a manobra contra o poder de requisição terá efeitos nefastos, acirrando a vulnerabilidade das pessoas acolhidas e defendidas pela instituição.

Prerrogativas não são privilégios, mas instrumentos de realização de determinados fins. Nos estritos termos da lei, a Defensoria, que é um órgão público autônomo, somente pode utilizar o seu poder de requisição para cumprir a sua missão constitucional. Em ações civis públicas, por exemplo, em favor de comunidades indígenas, quilombolas e ribeirinhas, é essencial a capacidade de se obter do Poder Público documentos que demonstrem a violação a direito dessas comunidades a fim de instruir os processos.

É preciso lembrar que o Ministério Público possui poder de requisição — muito mais amplo, pois abrange também particulares — e que, uma vez perdida a prerrogativa pela Defensoria, a balança penderá em desfavor de seus assistidos. Com uma estrutura material e humana muito inferior ao Judiciário, à advocacia pública e ao MP, é difícil para a instituição garantir uma relação de paridade de armas em favor dos seus assistidos e assistidas nas demandas de cunho essencial contra o Estado ou particulares com capacidade econômica.

O poder de requisição da Defensoria também evita ações judiciais preparatórias ou infundadas. O defensor não precisa, em caso de negativa inicial do órgão público, por exemplo, propor mais uma ação preliminar para tanto. Garante ainda uma análise mais célere da solicitação, em vez de aguardar que o magistrado requisite os documentos e só então decida se a pretensão é viável.

A Defensoria Pública foi elevada pela Constituição Federal à condição de agência nacional de promoção e tutela dos direitos humanos, designando-a como expressão e instrumento do regime democrático. O poder de requisição é essencial para que desempenhe as suas funções. Retirar essa prerrogativa, após 27 anos de exitosos resultados, é, sem dúvida, enfraquecê-la.

Em uma decisão que envolvia a instituição, a ministra Cármen Lúcia, do STF, em seu voto, levantou o questionamento que é título deste artigo. A pergunta volta a fazer sentido neste momento em que a instituição é cada vez mais reconhecida e valorizada pela sociedade por sua atuação em favor dos mais vulneráveis. Afinal, a quem interessa enfraquecer a Defensoria Pública?

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