opinião

O voo de Cristiana Lôbo

Ana Dubeux
postado em 14/11/2021 06:00

Não era amiga chegada, nem sequer nos conhecíamos direito. Trabalhamos juntas por um tempo no Jornal de Brasília em 1992, numa fase em que ela teve que se reinventar após a saída de um grande jornal. Não parecia deslocada ali, pelo contrário. Cristiana Lôbo, brilhante jornalista que nos deixou na última semana, tratava a todos bem e ensinou muito. Antes e depois disso, acompanhei a trajetória dela de longe, espiando os movimentos e ouvindo histórias incríveis de amigas comuns.

Assim como sou fã incondicional de Miriam Leitão, nutria por Cristiana aquela admiração genuína como profissional do jornalismo e figura humana incrível que tive, ao meu lado, por uma tarde inteira. Neste único dia, partilhamos o momento de dor de uma amiga em comum, Ana Paula Macedo, que tinha perdido a mãe subitamente. E foi o suficiente para levá-la em minhas memórias para sempre.

Religiosa, devota do Divino Espírito Santo, dos anjos e arcanjos, Cristiana chegou, naquela tarde de julho, horas depois do enterro, naquele ambiente de tristeza e desespero, e jogou luz. Fez uma prece linda e falou, com a voz pausada, para quem quisesse ouvir, que Concita Macedo havia partido em voo direto, sem escala, para o céu.

Na lógica espiritualizada de Cristiana, quem usa escapulário segue para o lado do Pai Eterno diretamente. Com a mesma destreza de quem contava as novidades da política e a analisava com fina ironia e olhares profundos, Cristiana foi desanuviando o ambiente e transformando o que era um dia terrível num momento de paz. Aquela tarde me revelou além do que conhecia sobre ela. Proporcionou conforto numa hora de dor extrema.

Eu queria ter um por cento do talento de Cristiana na política, seu jeito próprio e inovador de contar os bastidores do Congresso Nacional, Planalto e outros palácios, e mais ainda na forma de conduzir as relações, no trato com as pessoas, na capacidade de ensinar colegas, de ajudar. Deixou um legado incrível para o jornalismo e para a crônica política brasileira, ajudando a desfazer preconceitos em um ambiente extremamente machista e misógino. Mas, além disso, deixou exemplos de humanidade a todos que conviviam e conviveram com ela. Digo sem medo de errar: Cristiana partiu, como Concita, sem escalas, para um ambiente de luz. Que siga em paz e com nossas orações!

 

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