OPINIÃO

A Amazônia queima, sim

Rodrigo Craveiro
postado em 17/11/2021 06:00

Poucos brasileiros tiveram o privilégio de conhecer a maior floresta tropical do planeta. De escutar a sinfonia da mata ao amanhecer: macacos guaribas, uma infindável variedade de pássaros, sapos e grilos. Acordar no meio da Amazônia é como estar abraçado a um ser vivo pulsante, vivenciar uma completa comunhão com o divino, com Deus, como quer que o conceba.

Admirar o porte gigantesco da samaúma, que se ergue até 90m de altura, acima das copas das outras árvores, e cujo tronco chega a 3m de diâmetro. Nadar com botos tucuxis no Rio Negro ou presenciar uma "cidade" iluminada, à beira do rio, à noite — os olhos dos jacarés, ao refletirem a luz da lanterna ou do silibim, uma espécie de farol usado pelos canoeiros. Ter a sorte de admirar uma onça pintada, uma anta ou um veado galheiro em seu habitat.

A Amazônia é patrimônio imaterial não apenas do Brasil, mas da humanidade. Cabe a nós garantir sua preservação e a perpetuação das espécies de animais e vegetais. Se falharmos nessa missão, pagaremos um preço alto demais.

A floresta é responsável direta pelo ciclo das chuvas, pela umidade que beneficia outras regiões do Brasil, especialmente o Centro-Oeste, por meio do fenômeno conhecido como "rios voadores". Infelizmente, o desmatamento da Amazônia segue a passos largos. Entre agosto de 2020 e julho de 2021, é como se uma área de floresta quase duas vezes o tamanho do Distrito Federal fosse derrubada.

Durante um fórum de investimentos, em Dubai, o presidente Jair Bolsonaro cometeu o despautério de afirmar que a Floresta Amazônica não queima, "porque é úmida". Mais: disse que 90% do bioma estão preservados, intocados. "(A floresta) Está exatamente igual quando foi descoberta no ano de 1500", declarou Bolsonaro.

Mais do que um atentado à inteligência, a retórica negacionista soa como pura desonestidade intelectual, falácia para vender aos investidores um Brasil que não existe. Qualquer brasileiro sabe que a política ambiental enfrenta sucateamento. Para o atual governo, o que importa é "passar a boiada". Não à toa, Bolsonaro ausentou-se da COP26, em Glasgow. Seria alvo de críticas plausíveis e contundentes. Além do desmatamento, das queimadas indiscriminadas e da grilagem de terras, os garimpos avançam e decretam a morte dos rios. E sentenciam os índios ao extermínio.

Sim, senhor presidente, a Amazônia queima, sim. Qualquer cidadão sabe disso. Ela pega fogo por ação humana, pela sanha capitalista de abrir espaço para a pastagem e de passar a boiada. Estudo publicado pela revista Nature mostra que 95% de todas as espécies da floresta foram afetadas pelo desmatamento. Se queremos um clima ameno, com estação regular de chuvas, precisamos proteger a Amazônia.

Se queremos que nossos filhos e netos possam desfrutar de um dos lugares mais incríveis da Terra, e escutar a sinfonia da mata ao amanhecer, devemos abandonar a omissão e agir em prol do meio ambiente. Ou transformaremos o nosso destino em cinzas.

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