Opinião

Pedro Luiz Rodrigues: "Marcílio Marques Moreira, uma voz lúcida aos 90 anos"

Correio Braziliense
postado em 25/11/2021 06:00

Pedro Luiz Rodrigues- Jornalista e diplomata. Assessorou Marcílio em seu relacionamento com a imprensa na Embaixada em Washington e no Ministério da Economia

Marcílio Marques Moreira completa hoje 90 anos de uma vida muito ativa. Krónos, felizmente, tem-lhe sido benfazejo, mantendo-lhe aguçada a curiosidade e preciso o intelecto, sempre a buscar soluções para os complexos problemas que afligem o Brasil e o mundo. E, em casa, o equilíbrio, proporcionado pelas atenções e o carinho de Maria Luiza e das filhas.

Conheço Marcílio desde meus tempos no Jornal do Brasil, há 50 anos. Aprendi que se há coisa que mais abomina, será a insensatez, aquela a que se refere Barbara Tuchman, quando indaga das razões que levam governantes a tomarem decisões que resultarão prejudiciais a si mesmos e às sociedades que governam.

Os episódios analisados por Tuchman, em seu livro A Marcha da Insensatez, mostram, observará Marcílio, "o quanto líderes e povos podem desviar-se para caminhos que os arrastarão à própria ruína, embora existam alternativas viáveis a tomar, e vozes suficientemente lúcidas para avisá-los dos perigos iminentes".

Marcílio tem procurado ser uma dessas vozes desde 1967, quando, deixando para trás riquíssimas experiências profissionais e pessoais, na Embaixada em Washington, como assessor de San Tiago Dantas e no BNDE — foi trabalhar com o governador da Guanabara, Negrão de Lima, na Companhia de Desenvolvimento das Comunidades ( Codesco) —, que trataria de maneira inovadora a questão das comunidades faveladas: urbanizando-as sempre que possível (em vez de removê-las inexoravelmente).

Foi nesse momento, escreveu Marcílio, "que tive a aguçada percepção da questão social para a qual me despertara a tia Edith (irmã de sua mãe), que há 40 anos fundara uma obra social, que até hoje (1985) dirige no bairro operário de Vila Maria (SP)". Foi essa percepção que o fez soltar a voz, dar entrevistas e escrever artigos.

Os planos de Marcílio não prosperariam, porque o governo federal, com a criação da Coordenação de Habitação de Interesse Social do Grande Rio (Chisam), com postura remocionista, acabou por retirar a autonomia (e os recursos) do órgão do governo estadual.

Marcílio promoveu, então, uma guinada em sua vida, e assumiu uma vice-presidência do Unibanco, cujo presidente, Walther Moreira Salles, fora seu embaixador em Washington. Mas a nova função nunca lhe embargaria o cérebro ou a voz.

Em março de 1970, em fase das mais duras do regime militar, escreveria: "Nenhum governo resistiu na história (...) a uma retirada súbita do apoio de todos os seus governados. E, ainda, que "desenvolvimento e segurança aspiram, ambos, a valorização e a potencialização do homem, (sendo) comum surgirem contradições aparentes, a médio ou curto prazo, entre esses dois objetivos imediatos".

A partir de 1975, ficaria mais contundente: "O que se sente, porém, é que o regime, embora bem-sucedido numa fase, acabou se transformando num passivo oneroso para a sociedade". Em 1976: "O liberal, hoje, é considerado com desconfiança, tanto pela esquerda quanto pela direita. Ele é mesmo considerado um homem obsoleto, a quem falta pragmatismo". Em abril de 1977: "Marcílio pede liberdade sindical". E em outubro do mesmo ano: "Banqueiro pede abertura, já!" — e isso em seminário organizado pela Fundação Milton Campos, da Arena, partido que apoiava o regime militar!

Nos anos seguintes, Marcílio baterá sistematicamente na mesma tecla, cujo resumo ele mesmo ofereceu: "A exigência que se coloca hoje, no Brasil, de repensar, de reformular e reorientar o arcabouço institucional e político, é essencialmente endógena, não vem de fora para dentro, nem da constatação de um fracasso. O próprio atingimento das metas tornou obsoletas políticas de 15 anos atrás".

Um dos problemas mais sérios do Brasil, diz-nos Marcílio, é o que San Tiago Dantas chamava de "inatualidade nacional", a falta de atualidade cultural, científica, tecnológica e política. "Enquanto as coisas acontecem, perdemos tempo discutindo, através do espelho retrovisor, pequenos problemas. (...) Parece que optamos livremente pela discussão dos detalhes, das mesquinharias, e nos esquecemos dos 'grandes desenhos', dos objetivos maiores da sociedade."

Sua capacidade profissional associada à honestidade intelectual e pessoal levou-o a ser embaixador em Washington (em 1986) e a ministro da Economia, Fazenda e Planejamento, em 1991.

 


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