IMPRENSA

Quem são os cúmplices de Bolsonaro na violência contra jornalistas?

As tropelias de seguranças — de filiação desconhecida — contra os correspondentes que acompanhavam a pífia passagem do presidente pela Itália não representam a primeira agressão física a jornalistas no entorno bolsonarista

As imagens finais da viagem constrangedora do presidente Jair Bolsonaro à Itália, para a reunião do G20, reafirmam e resumem a imagem que o atual governo projeta no mundo: a de um país que, não bastasse estar alheio aos esforços comuns para conter o aquecimento global, tolera a truculência com que o chefe de Estado responde aos protestos dos descontentes e aos questionamentos dos jornalistas. A novidade é que, desde as cenas vergonhosas de Roma e Pádua, o desrespeito de Bolsonaro à liberdade de imprensa e à liberdade de expressão já não reconhece fronteiras.

As tropelias de seguranças — de filiação desconhecida — contra os correspondentes que acompanhavam a pífia passagem do presidente pela Itália não representam a primeira agressão física a jornalistas no entorno bolsonarista. Mas abrem um precedente perigoso: é inédito o envolvimento de agentes, públicos ou privados, diretamente a serviço da comitiva presidencial.

Três anos quase completos de governo Bolsonaro parecem o suficiente para atestar sua incompatibilidade de gênios com a democracia e a liberdade de imprensa. Em 2019, 2020 e de novo em 2021, só fizeram escalar os ataques a jornalistas no exercício da profissão. Neste ano, o Brasil foi mencionado pela organização Repórteres Sem Fronteiras entre os 40 países considerados perigosos para as mulheres jornalistas - um viés escancarado, em público e sem constrangimento de qualquer ordem, pelo próprio presidente, em repetidas ofensas que fez às nossas colegas diante de câmeras e gravadores.

Já não surpreende a conduta indecorosa de um militar rejeitado pelo Exército e que, na posse temporária da faixa presidencial da República, comporta-se como se portasse uma coroa imperial sobre a cabeça. Mas a nós, jornalistas, causa já indignação a inércia das instituições republicanas diante de violações grosseiras e repetidas das garantias constitucionais e das normas democráticas.

O Sindicato dos Jornalistas do DF não se limitou a notas de repúdio e manifestações de protesto. Em 2020, com outras organizações, chegou a denunciar Bolsonaro e seu governo a instâncias como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), da Organização dos Estados Americanos (OEA), e ao Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos. Por aqui, a Procuradoria Geral da República se exime de levar adiante as repetidas denúncias de crimes - comuns e de responsabilidade - cometidos pelo presidente. No Legislativo, o presidente da Câmara se omite sentado sobre mais de 150 pedidos de impeachment.

A política institucional, em todos os seus níveis, tem o próprio vocabulário formal - que tem o seu lugar. O jornalismo, no entanto, reconhece também a linguagem da rua, do cidadão comum, e se permite lançar mão de seus recursos. Nela, há uma expressão que define sem vernizes a atitude dos poderes oficiais diante da escalada autoritária de Bolsonaro: eles passam pano.

Mas, entre cumplicidades e conivências, também as empresas jornalísticas devem à sociedade. Sim, porque é a serviço dela, em última instância, que os jornalistas saem diariamente à busca da informação. Nunca é demais lembrar: nosso curso de graduação atende pelo nome de "comunicação social".

É salutar que os veículos de comunicação e suas representações, como a Associação Nacional de Jornais (ANJ), se pronunciem. Mas não basta. Ao longo desses três anos, o Sindicato dos Jornalistas do DF, nossa Federação Nacional, a Fenaj, e outras entidades da categoria se dirigiram repetidamente às empresas para que assumissem posição firme. Não apenas em defesa da integridade - inclusive física - de seus funcionários, mas também da democracia, diuturnamente vilipendiada.

A experiência iniciada com a posse de Jair Bolsonaro como presidente da República, em 1º de janeiro de 2019, ensina que ele não conhece limites - a menos que lhe sejam impostos em termos firmes e inequívocos. Um ano mais pode ser tempo demasiado para que possamos, adiante, dizer que preservamos a liberdade de imprensa.

Passou da hora de reagir energicamente. Mas é tempo ainda de fazê-lo.

* Silvio Queiroz é coordenador geral do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do DF

 

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