Editorial

O carnaval e a nova cepa

A três meses do mais esperado carnaval de todos os tempos, a variante delta, que assola mais de 20 países da Europa, juntou-se ao anúncio da ômicron, nova cepa de características muito agressivas — identificada primeiramente na África do Sul — e, juntas, as duas piores notícias dos últimos dias, acabam de atravessar o samba, o axé e o frevo e ameaçam jogar água no chope de milhões de brasileiros.

Pelo país, centenas de cidades já cancelaram a folia de Momo. A mais doída de todas, até agora, é a possível suspensão da festa em Salvador, em cujas ruas, pelo segundo ano consecutivo, hinos da folia soteropolitana, como Baianidade Nagô — "Eu vou / Atrás do elétrico vou / Dançar ao negro toque do agogô / Curtindo minha baianidade nagô..." —, de Evandro Rodrigues, podem voltar a ficar presos na garganta.

É de fazer chorar, como reza a letra do frevo Voltei, Recife, em que Luiz Bandeira anuncia o triste fim do carnaval na capital pernambucana, devido à chegada da quarta-feira de cinzas. Desta vez, é muito pior. Para tristeza dos foliões, a quarta-feira ingrata ameaça ser antecipada, num momento em que as animadas prévias, que muita gente curte mais do que o próprio carnaval, sequer começaram.

Não há como negar. É tristeza de partir o mais sarado coração de amantes do carnaval. Há quase dois anos, eles não veem a hora de botar o bloco na rua. E, mais uma vez, correm o risco de ter que continuar com a fantasia guardada para não permitir um retrocesso no combate a um inimigo invisível, traiçoeiro e letal, que já infectou cerca de 22 milhões de brasileiros e tirou a vida de mais de 600 mil pessoas no país.

Faz pouco tempo, muitas prefeituras anunciaram a possibilidade de autorizar o carnaval. Entre elas, Rio de Janeiro, Salvador e Recife, polos das festas mais animadas do mundo. Embalavam os prefeitos os bons resultados obtidos com a vacinação. Desde julho, os indicadores de gravidade da pandemia, como número de casos, internações e mortes por covid-19, caem continuamente no país.

No Brasil, a adesão da população à campanha de vacinação contra a covid-19 é uma das maiores do planeta. Estamos próximos da marca de 100% dos adultos imunizados com ao menos uma dose. E, entre o público alvo da vacinação, pessoas com 12 ou mais, o percentual dos que tomaram ao menos uma injeção supera os 90%. Mas, para uma festa com a dimensão dos carnavais tupiniquins, a Fiocruz defende que é preciso ter, no mínimo, 90% da população totalmente imunizada.

Nesse quesito, o Brasil necessita, de fato, avançar. Entre os adultos, o percentual que completou o ciclo vacinal supera os 80% e passa de 70% no contingente com 12 anos ou mais. Diante do recrudescimento da pandemia na Europa, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que o coronavírus pode ceifar até 700 mil vidas no continente até março. Soma-se à estimativa catastrófica, o temor que a ômicron se dissemine rapidamente pelo mundo caiu como uma bomba no mercado financeiro na última sexta-feira.

No Brasil, além do medo de uma reviravolta nos bons resultados da vacinação, o recuo em relação ao carnaval em muitas cidades se dá por cálculo político. Ao contrário do presidente Bolsonaro, a maioria dos prefeitos e governadores sempre se posicionou a favor das medidas de restrição, como uso de máscaras e distanciamento físico, para frear a escalada da covid-19 no país.

Agora, se até o chefe do Executivo resolveu marcar posição, declarando-se contra a realização do carnaval, quem ousará botar o bloco na rua, opondo-se à opinião de cientistas? Neste momento, até melhores notícias em contrário, o melhor a fazer é acelerar a vacinação, manter os cuidados preventivos e torcer para que, a exemplo da delta, a nova cepa não vingue no Brasil.