Pandemia

Rodrigo Craveiro: "lições pela dor"

"Dois mil e vinte e dois se aproxima sem expectativas. Mais de 614 mil brasileiros estão mortos, muitos deles vítimas da inoperância do Estado, do desprezo com a vida e da demora em obter vacinas"

Rodrigo Craveiro
postado em 01/12/2021 06:00
 (crédito:  MICHAEL DANTAS)
(crédito: MICHAEL DANTAS)

Resiliência, altruísmo, capacidade de reinvenção, compaixão, crença na ciência, aversão ao negacionismo... Em 644 dias, nos vimos obrigados a aprender pela dor. Presenciamos a partida de amigos e de familiares, tantas vezes sem a chance de uma despedida. Tantas vezes intubados em um hospital, isolados na unidade de terapia intensiva. Choramos o luto incompleto e avassalador. Para muitos de nós, foi difícil processar uma perda sem velarmos um corpo. Em quase dois anos, fomos forçados a ter a companhia como solidão. A sentir tanto a falta de um abraço apertado, um beijo no rosto, uma companhia amiga. Sim, a covid-19 também nos ensinou a valorizarmos o que mais importa em nossa curta passagem por esse planeta: a busca pela felicidade.

Não sei vocês. Mas a primeira vez que saí para uma corrida matinal, provavelmente em setembro do ano passado, vi com outros olhos o brilho do sol, senti com outra pele o toque da brisa no rosto. Experimentei a gratidão por estar vivo. A pandemia também tornou muitos de nós mais compassivos. Dói enxergar os pedintes nos sinaleiros de Brasília, muitos deles desempregados, com cartazes nos quais clamam por ajuda desesperada para comer e deixam um Pix para transferência. Machuca quando uma mãe, de olhar vazio e desesperançoso, implora por comida para os filhos. Alguns diriam que é a "política do fique em casa". Mas não passa do retrato de um governo que mostra descaso com as políticas sociais e jamais teve um plano de crescimento econômico.

Dois mil e vinte e dois se aproxima sem expectativas. Mais de 614 mil brasileiros estão mortos, muitos deles vítimas da inoperância do Estado, do desprezo com a vida e da demora em obter vacinas. A cepa ômicron assusta o planeta e não me surpreenderia se tiver chegado ao Brasil. Talvez a nova variante não seja tão letal quando a delta. Talvez a elevada capacidade de infectar pessoas seja compensada pelos quadros leves da doença — quase um padrão até agora visto. No entanto, as mutações que a ômicron traz provavelmente são um sinal da habilidade evolutiva do Sars-CoV-2. Um cenário hipotético de vacinas inócuas contra o coronavírus seria algo aterrador.

A ômicron também expôs outra face cruel da pandemia: os ricos se vacinam, enquanto a falta de acesso aos imunizantes torna os pobres vulneráveis. No último domingo, a médica sul-africana que descobriu a ômicron, em 18 de novembro, fez um alerta macabro, em entrevista ao Correio: "Se não vacinarmos todo o continente africano, ninguém será capaz de dormir em segurança no resto do mundo". Que a humanidade se mobilize nesse sentido, ou teremos que continuar a aprender pela dor.

 


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