Covid-19

Elite política faturou durante a pandemia

"Nossas autoridades, sem o menor pudor, mas sempre dotadas de um senso de oportunismo frio e utilitário, têm aproveitado como podem o momento de caos vivido pela população"

Circe Cunha
postado em 08/12/2021 06:00

Um dos grandes problemas gerados e catalisados pela crise sanitária que obrigou o mundo a se fechar num seríssimo regime de pandemia, é que a covid-19, ao atingir um país com as características de governança que o Brasil tem — onde as instituições do Estado são, na sua maioria, historicamente estruturadas para atenderem, prioritariamente, as elites no poder —, o período extraordinário de calamidade tem sido utilizado como uma falsa muleta para enfeixar o controle da máquina administrativa pública nas mãos do governo, dos partidos e mesmo do Judiciário.

Nossas autoridades, sem o menor pudor, mas sempre dotadas de um senso de oportunismo frio e utilitário, têm aproveitado como podem o momento de caos vivido pela população para materializar seus projetos, tanto aplainando o caminho rumo aos cofres públicos quanto erguendo muralhas e restrições para impedir que a sociedade assista à dilapidação dos recursos da nação.

Trata-se, aqui, de obras que vêm sendo erguidas meticulosamente pelos poderosos em meio ao pandemônio que se instalou, quando as atenções dos brasileiros estiveram, todas elas, voltadas para questões básicas de como sobreviver à virose. Com isso, vão tornando o país e, sobretudo, os contribuintes em presas fáceis para seus projetos de apoderamento do Estado. Até mesmo a fase mais crítica da covid-19, quando os cidadãos morriam como moscas, foi aproveitado para impor os desejos pessoais dessa turma, mesmo sob o risco de, num futuro próximo, conduzir toda a nação à falência.

Não há exagero aqui em afirmar que a pandemia foi, mesmo durante o período mais severo da doença, muito lucrativa para as elites políticas. Em meio à inflação e ao alto desemprego que se seguiu à doença e que empurram o país para a rabeira dos países em desenvolvimento, com mais de cinquenta milhões de pessoas em situação de fome, nossas lideranças prosseguiram impávidas em seus desígnios, quer turbinando os recursos para as excrescências do Fundo Partidário e para o Fundo Eleitoral, quer cuidando de manipular secretamente o Orçamento bilionário da União para enviá-los a seus redutos ou simplesmente embolsá-los, como tem sido noticiado pela própria Polícia Federal recentemente.

Enquanto constroem verdadeiros dutos ligando seus escritórios diretamente aos cofres públicos, outra parte de nossas lideranças vai cuidando de erguer muros para manter todos esses projetos, longe dos olhares de curiosidade da população. Assim é que a própria Lei de Acesso à Informação (LAI), que agora completaria 10 anos e que, em tese, seria um dos pilares do Estado democrático de direito, vai sendo, pouco a pouco, sendo restringida pelo governo, que passou a ampliar, sem qualquer critério legal, o sigilo de inúmeros dados e documentos públicos, aumentado dia a dia as dificuldades para que o cidadão se inteire das ações do governo e de seus gastos.

Muitas informações requisitadas pelos cidadãos ao governo foram barradas e outras, submetidas a sigilos de 100 anos. No mesmo sentido, o governo cuidou de interferir na Polícia Federal, mudando delegados que investigavam assuntos inconvenientes para as autoridades, punindo-os com transferências e outros mecanismos burocráticos. Isso, sem falar no desmonte promovido em órgãos de pesquisa, de ciências e de estatísticas para que não apresentassem dados negativos sobre a atuação governamental em diversas áreas.

Mesmo a Justiça, que poderia pôr um termo nessas ações contra a cidadania e a Constituição, emite decisões para, pouco depois, fazer o dito pelo não dito, deixando tudo como estava. Esse é o caso agora da decisão do Supremo de liberar a execução de emendas de relator, ou orçamento secreto, previstas para este ano, depois de tê-las vetado sob o argumento de inexistência de transparência.

Por certo, a opacidade dessas emendas continua a mesma. O que muda é o entendimento da Suprema Corte graças a pressões internas e externas. Que a pandemia tenha deixado claro e patente o profundo divórcio existente entre a sociedade e o Estado, isso é um fato que merece não ser esquecido. A questão aqui é saber se esse fato servirá, de alguma forma, para alterar os rumos do país nas próximas eleições.

 


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