Opinião

Marco Aurélio Mello: "a flexibilização do direito do trabalho"

Correio Braziliense
postado em 21/12/2021 06:00
 (crédito: Caio Gomez)
(crédito: Caio Gomez)

MARCO AURÉLIO MELLO - Ministro aposentado do STF

A sociedade está em constante movimento. Durante muito tempo vingaram, na seara do trabalho, as ideias napoleônicas, a prevalência da liberdade de contratar. A relação jurídica prestador-tomador de serviços fazia-se regida pelo direito civil. Então, ante mercado desequilibrado, com oferta excessiva de mão de obra e escassez de fonte de subsistência — própria e da família — o resultado era único: a aceitação das condições oferecidas por quem desejava a força de trabalho. Na era Vargas e graças à sensibilidade social do primeiro ministro do Trabalho — Lindolfo Collor, concluiu-se que a correção de rumo haveria de passar por legislação especial, com intervenção marcante e decisiva do Estado na relação jurídica.

Exposição de motivos, elaborada pelo jurista Alexandre Marcondes Filho a partir de trabalho de fôlego de comissão de doutos, veio a respaldar a edição do Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, mediante o qual aprovada a Consolidação das Leis do Trabalho.

Na reunião da legislação esparsa, introduzidas modificações civilizatórias, prevaleceram o patriotismo e a inspiração social. A consolidação surgiu harmônica com o estágio do desenvolvimento jurídico. Mostrou-se consequência do contexto, dando-se ênfase à proteção do trabalhador, indiscutivelmente a parte mais fraca. Observou-se a precedência das normas em relação a ajustes, surgindo preocupação com a jornada dos menores.

Admitiu-se, observadas condições mínimas, o acordo tácito, ou seja, a prática notada no local da prestação dos serviços, em última análise, a realidade factual. Deu-se ênfase à preservação do sadio ambiente de trabalho, com a obrigatoriedade de uso, pelo trabalhador, dos equipamentos de defesa pessoal, fornecidos pelo tomador dos serviços e aprovados pelas autoridades de higiene do trabalho. Cumpre observar o teor do item 84 da Exposição de Motivos.

"Ao pedir a atenção de Vossa Excelência para essa notável obra da construção jurídica, afirmo, com profunda convicção e de um modo geral, que, nesta hora dramática que o mundo sofre (Segunda Guerra Mundial), a Consolidação constitui um marco venerável na história de nossa civilização, demonstra a vocação brasileira pelo direito e, na escureza que envolve a humanidade, representa a expressão de uma luz que não se apagou. "

Em 1943, a população brasileira era de 41 milhões de almas. Então, tinha-se o desequilíbrio consideradas oportunidades para prover a subsistência. O Estado interveio com normas imperativas. O direito do trabalho foi um avanço civilizatório. Cabe indagar: o quadro notado em 1943 foi suplantado a ponto de dispensar o trato especial da relação jurídica empregado-empregador? Vem à memória o chavão da Copa do Mundo de Futebol de 1970: "Noventa milhões de brasileiros em ação, pra frente Brasil".

O senso demográfico de 2020 revelou a existência de pouco mais de 200 milhões de habitantes, no Brasil continental de 8,5 milhões de quilômetros quadrados. Ocorreu crescimento populacional geométrico. A economia como um grande todo não o acompanhou. Ante o fenômeno há de concluir-se pela impossibilidade social de ter-se o afastamento das regras protetivas de trabalho.

A vida econômica é impiedosa. Não se dá um passo sem o acionamento do bolso, falhando o Estado na prestação de serviços essenciais — educação, moradia, saúde, transporte e segurança pública. É balela pensar que a deficiência marcante do mercado é amenizada pela economia informal.

Mais do que nunca surge a valia das normas. Os princípios que as norteiam, entre os quais sobressai o da imperatividade, colocando em segundo plano a manifestação da vontade pelo empregado, no que tende a sucumbir, optando pelo mínimo existencial, não podem ser afastados, sob pena de retrocesso social, confirmando-se a máxima segundo a qual a corda sempre se rompe na parte mais frágil.

É fácil falar em reforma trabalhista, fechando os olhos considerados os menos afortunados. É fácil potencializar a óptica desenvolvimentista, considerada a liberdade de mercado. A visão é míope presente o bem-estar do trabalhador. O argumento da existência de elevados encargos sociais não conduz à fragilização das regras trabalhistas. Direciona, sim, à revisão da política fiscal, aplacando-se a fúria arrecadadora. Diziam os antigos que a virtude está no meio termo. Que essa verdade frutifique, não se retroagindo socialmente. A existência de dias melhores pressupõe a observância da organicidade do direito.

 


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