Visão do Correio

Fragilidade cibernética

Após o ataque hacker aos sistemas do Ministério da Saúde, incluindo a plataforma do Conecte SUS, que tirou o aplicativo do ar, o governo adiou por uma semana os efeitos da portaria que exigiria o comprovante de vacinação contra a covid-19 ou uma quarentena de cinco dias a viajantes vindos do exterior que não foram imunizados, sejam residentes no Brasil, sejam turistas. No site do ministério, o invasor avisou que 50 terabyte de dados foram copiados. O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, garante que não haverá perda dos dados, pois há backup (cópia) das informações na pasta.

O mais estranho, porém, é o ataque ter ocorrido na véspera da vigência da portaria, dispondo sobre o certificado de vacinação, uma medida que, desde sempre, desagrada ao presidente Jair Bolsonaro. Agentes da Polícia Federal e integrantes do governo suspeitam de que tem algo de ativismo, com viés ideológico, por trás do ataque a Conecte SUS, considerando que apoiadores do chefe do Executivo se somam aos negacionistas dos efeitos positivos da vacina e tentam, pelas redes sociais, desacreditar a ciência e as orientações da medicina. Em entrevista, no fim da tarde, o secretário executivo do pasta, Rodrigo Cruz, disse que somente a plataforma da vacinação contra a covid-19 foi afetada. O fato reforça a suspeita de que há um viés negacionista nesse ato de violência.

Ressalte-se que o Palácio do Planalto foi, peremptoriamente, contrário ao passaporte e às barreiras sanitárias nos aeroportos brasileiros, que impediriam a entrada no país de pessoas não vacinadas. Embora a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) tenha defendido e reiteradas vezes alertado para o risco de nova onda da epidemia, o presidente resistiu e, muito a contragosto, aceitou o embargo de voos oriundos da África do Sul e de outras nações vizinhas, onde foi identificada a circulação da variante ômicron.

Independentemente da motivação ou dos interesses que levaram à invasão à página do Ministério da Saúde, fica claro que há fragilidades a serem corrigidas. Em tempos de tanta evolução tecnológica, perdeu sentido qualquer vulnerabilidade cibernética que permita o acesso aos dados dos brasileiros pelos aventureiros ou oportunistas de plantão, sobretudo em sistemas do poder público, com capacidade técnica para garantir a segurança de todos os dados de interesse de usuários e da nação. A retirada da página do ar significa prejuízo às pessoas e, especialmente, àquelas que têm necessidade de exibir o seu cartão de vacinação ou acessar a outros dados, até então, guardados na plataforma do Conecte SUS.

Impõe-se ao governo uma revisão séria e profunda dos sistemas cibernéticos do Estado. Ontem, foi a Saúde, amanhã, poderão ser outros órgãos que comprometem a segurança de toda a estrutura do poder público. Os cuidados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para blindar seus sistemas e garantir a lisura do processo eleitoral e privacidade dos dados são exemplos que, provavelmente, podem ser aplicados ao Executivo. Por que não? O acervo de informações, sob responsabilidade do governo, exige proteção semelhante, senão mais rigorosa, para a segurança de todos.

 

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