ARTIGO

Vedação total ao trabalho infantil e outros direitos humanos fundamentais: como conciliar?

Por RINALDO GUEDES RAPASSI - Juiz do Trabalho

Em 12/12/2021, o Correio Braziliense publicou excertos de um texto, cuja publicação só autorizei se fosse integral. A publicação truncada de partes da ideia, ao lado de declarações extraídas da fala de outra pessoa, cria uma narrativa que não é verídica e associa erroneamente a minha opinião com propostas que não são minhas.

Esclareço, portanto: a minha opinião é que deve continuar a ser preservada a liberdade de os tribunais decidirem, caso a caso, a respeito da matéria. Além disso, a análise dos precedentes judiciais deve servir de parâmetro para a formação de um juízo crítico sobre a Proposta de Emenda à Constituição nº 18, de 2011.

A questão relativa a autorizar, ou não, o trabalho infantil é muitas vezes submetida ao Poder Judiciário. O juiz, ao examinar pedidos de alvará para trabalho de menor de 16 anos depara-se, muitas vezes, com o seguinte dilema: como poderá proibir a atividade que garante a subsistência se, no caso concreto, nem a família, nem a sociedade, nem o Estado demonstrarem sucesso no asseguramento da proteção integral àquela criança ou àquele adolescente? Em outras palavras, como poderá o magistrado, na mesma decisão em que negar um alvará de participação em certas atividades remuneradas, ordenar que a família, a sociedade ou o Estado cumpram imediata e efetivamente seu dever de fornecer os meios de subsistência em favor da criança ou do adolescente?

Para entender como o juiz decide, é preciso saber que, no desempenho de sua função, deverá usar alguma técnica de hermenêutica jurídica, ou seja, escolher um dos diversos métodos de interpretação: o gramatical ou literal, o sistemático, o histórico, o teleológico-axiológico ou o sociológico. Aplicar esses métodos é inerente à autonomia republicana do Poder Judiciário e da independência de cada juiz, princípios fundamentais para a democracia. É por isso que o magistrado não pode ser punido em razão do método hermenêutico que elege.

Nesse contexto, o Conselho Nacional de Justiça já decidiu estar contida, na função de julgar, a livre opção judicial — seja por proibir terminantemente esse trabalho, seja por deferir autorização excepcional.

No que diz respeito à primeira hipótese (proibir), é muito importante que os tribunais desenvolvam iniciativas para implementação de ações integradas com outras instituições federais, estaduais e municipais, visando ao provimento imediato das garantias mínimas de subsistência às crianças e aos adolescentes em situação de vulnerabilidade. A medida de eficácia dessas ações integradas e os efeitos que podem resultar do comando judicial influenciam a tomada de decisão.

Quanto à segunda hipótese (permitir excepcionalmente, com filtros), as decisões examinadas pelo CNJ ponderaram a proibição literal do art. 7º, XXXIII, da Constituição República (combinado com a Convenção 182 da OIT e o Decreto 6.481/2008) em prol da aplicação com outros mandamentos constitucionais igualmente importantes (no art. 6º: o direito humano fundamental à alimentação, à saúde, ao trabalho; no art. 227: a garantia à profissionalização; entre outros). A depender da situação e conforme esses precedentes, o magistrado pôde avaliar as condições específicas para, por exemplo, proteger o direito humano fundamental à alimentação adequada e saudável da criança ou adolescente, de acordo com os aspectos biológicos e sociais da pessoa, ministrada de modo permanente, regular e socialmente justa.

Nas hipóteses examinadas pelo CNJ, os magistrados exerceram rigoroso exame de satisfação de requisitos mínimos, como:

  • não ser o serviço prestado em condições penosas, perigosas ou insalubres;
  • ser mais leve que o de um adulto, proporcionalmente às condições físicas e mentais de quem irá executá-lo, não se permitindo, assim, trabalho em contato com agrotóxicos, nos lixões, em pedreiras, ou submetido a calor ou frio intensos;
  • não se dar em ambiente noturno ou violento;
  • ocorrer em horários compatíveis com o estudo e com a convivência familiar;
  • ser remunerado de forma a garantir o sustento, tendo por base o salário mínimo;
  • entre outros.

A mudança pretendida pela Proposta de Emenda à Constituição nº 18, de 2011 (há apensamento de seis outras PECs) consiste em permitir o trabalho em tempo parcial a partir dos 14 anos de idade, mantendo, paralelamente, a permissão do trabalho na condição de aprendiz. Hoje, nessa faixa etária, é permitido o trabalho aliado à aprendizagem profissional, ou seja, que precisa necessariamente estar vinculado a programas de formação técnico-profissional metódica, com maior controle do desenvolvimento físico, moral e psicológico do aprendiz.

Já a proposta de emenda para permitir também o emprego em tempo parcial coloca o foco em autorizar o início da vida produtiva, em metade do tempo permitido a um adulto, e em uma melhor remuneração (o FGTS é maior que o de aprendiz: 8%). Continua a contar com garantias de proteção contra trabalho noturno, perigoso ou insalubre, além de todas aquelas outras tutelas da legislação trabalhista, que protegem os demais tipos de empregados.