Opinião

Artigo: luz no fim do túnel para o Brasil

Dioclécio Campos Júnior Médico - Professor emérito da UnB, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria, membro titular da Academia Brasileira de Pediatria, ex-presidente do Global Pediatric Education Consortium (Gpec)

Nenhuma sociedade será humana se não acolher, proteger e educar a sua infância. Sem o devido respeito, essa faixa etária não alcançará a dimensão intelectual que potencialmente possui. De fato, a estruturação do cérebro é a única base das funções mais diferenciadas da espécie Homo sapiens, entre as quais vale salientar o pensamento, a reflexão, a criatividade, a dinâmica espiritual, a visão altruísta, os sentimentos de afeto, amizade, ternura e amor.

Em sintonia com o padre e paleontólogo francês Teilhard de Chardin, torna-se claro que o processo de "cerebralização" dss espécies animais abriu o caminho evolutivo da mente rumo aos valores humanos que se desdobraram ao longo do tempo. Esta visão é bem confirmada pelo progresso científico que permite destacar, como prioridade absoluta, o investimento na formação adequada do cérebro, que requer saúde e educação de qualidade na infância. Ademais, torna-se evidente que investir em saúde e educação só faz sentido se for iniciativa absolutamente igualitária. Do contrário, a sociedade será mais desumana, enferma e deseducada, como se confirma em nosso país.

Se a cerebralização praticamente completa de um cidadão ocorre durante os seis primeiros anos de vida, investir na primeira infância não pode mais ser visto com desprezo e desleixo. É a única etapa de vida do ser humano na qual se estrutura e amadurece o cérebro. Portanto, o adulto somente poderá alcançar um nível de inteligência adequado se tiver recebido a proteção e o estímulo educativo de qualidade durante a primeira infância. Do contrário, não contará mais com o potencial cognitivo porque sua capacidade de aprendizagem como criança será irrecuperável. Perde-se assim o nível de inteligência passível de ser alcançado pelo adulto, com enorme prejuízo para a cidadania.

Com efeito, o consumismo fanático, que vai tomando conta do mundo, investe nas estratégias de condicionamento comportamental que domina as faixas da população cuja mente não está bem dotada de capacidade cognitiva devidamente convertida em educação verdadeira. É o império da era moderna que comanda a humanidade.

A imagem da criança nunca foi tão utilizada para a propaganda de produtos a serem quase que obrigatoriamente consumidos na infância. É um desrespeito grave cometido contra os seres humanos na fase construtiva da personalidade, durante a qual os valores humanos não podem nem devem ser subestimados em benefício de interesses empresariais.

Os países que captaram tão importante prova científica em favor da educação igualitária e de qualidade mostraram possuir um compromisso incomparável com os direitos de todos os seres humanos. Investiram, há bom tempo, nas creches e jardins da infância, não apenas no elevado padrão das suas unidades imobiliárias e equipamentos educativos coerentes com a respectiva faixa etária. Promoveram, também, projetos de formação adequada dos cuidadores da infância, que passaram a ser profissionais cada vez mais respeitados e valorizados pela sociedade. Seus salários são bem justos e motivadores da adesão àquela atividade profissional.

Para os governantes dos respectivos países, trata-se de uma função prioritária, pois aqueles que a exercem possuem competência para cuidar da formação do ser humano numa fase de incomparável capacidade de adquirir conhecimentos e perfil comportamental construtivo, indispensável ao papel fundamental dos adultos de uma sociedade. É o chamado capital cognitivo, ao qual as nações realmente progressistas atribuem muito mais valor do que ao capital financeiro.

Esse cenário evolutivo já caracteriza a maior parte dos países da União Europeia, com especial referência àqueles da península da Escandinávia. São os que possuem o mais alto nível de educação infantil e quase nenhuma desigualdade social.

Em nosso país, a fé inabalável das elites no capital financeiro está na gênese das mais desastrosas realidades, nas quais sobrevive a maioria da população brasileira. São exemplos: a fome; a desnutrição; o analfabetismo; a enorme desigualdade social; a versão moderna da escravidão; os preconceitos racistas; a violência; a falta de escolas de qualidade para todos; o menor salário dos professores; a baixa condição de moradia para os pobres, revelada pela crescente população que vive na rua; as taxas mais altas de homicídio, feminicídio e infanticídio, entre outros. Em suma, a projeção do capital cognitivo acima do financeiro é a luz no fim do túnel para tirar o Brasil do atraso.

 

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