O vento do sonho e da fé

Ainda bem que tem ano novo para sacudir a poeira e alimentar esperanças. Pensar em novo ano é muito bom, porque desperta na gente uma vontade de mudanças. Só há uma coisa: tem que ser rápido, porque o tempo é implacável. O ano passa depressa demais.

A persistência e o desejo de mudar são fundamentais. Tem que ir no tempo certo. Desanimar nunca. Alon Baruch, nos seus 93 anos, iniciava todo ano novo rezando junto ao Muro das Lamentações, em Jerusalém. No dia primeiro de janeiro, cedinho, lá estava o senhor Baruch orando. Daí a pouco chega uma jovem repórter da TV Al Jahzeera e pede licença para entrevistá-lo:

— Bom dia, senhor. Eu sou da televisão. Pode falar comigo?

— Sim, minha jovem.

- Eu vejo que o senhor é a pessoa mais antiga que está aqui, hoje, orando aos pés do Muro.

— Sim.

— Há quanto tempo o senhor vem aqui rezar?

— Ah, desde quando nasceu meu primeiro filho. Eu tinha uns 20 anos. Lá se vão mais de 70 anos.

— Nossa! 70 anos! E o senhor rezou pedindo o que nesses anos todos?

— Rezo pela paz entre judeus, muçulmanos e cristãos, rezo para que cesse o ódio, que cessem as guerras. Rezo para que nossos filhos cresçam juntos em paz e amizade.

— E como o senhor se sente após mais de 70 anos de orações para iniciar cada ano?

— Ah, minha filha, sinto-me como se estivesse falando com um muro.

A franqueza e a esperança do senhor Alon Baruch são virtudes intrínsecas em cada um de nós. O Muro das Lamentações é o ponto que, pela sinceridade e fé, plantamos a confiança na vida. É o sonho que vai dar sustentação para o trabalho do dia a dia, do ano a ano e a expectativa de estar construindo algo melhor para nós mesmos e para a sociedade.

Fim de ano é tempo de renovar os sonhos. Ter esperança é alimentar a fé e reabastecer nosso ser de energia para sonhar mais ainda. É o milagre do bem viver. Gosto muito de buscar inspiração na poesia de Soares da Cunha, o Trovador das Gerais.

A poesia sempre facilita e humaniza qualquer mensagem. Sem poesia, não há salvação. A economia fica terrivelmente árida, a religião sufoca, o esporte perde a graça, a política embrutece, a justiça não suaviza, o administrador desmobiliza e o professor não emociona. Assim, nesse momento de fé, vale relembrar três, entre os milhares de trovas do poeta mineiro. E elas falam tão bem à alma...

Sobre o milagre da fé, Soares da Cunha trovou:

Para se dar o milagre

Qualquer um que a gente queira

O santo pode ser falso

Basta a fé ser verdadeira.

É justamente no findar do ano, quando outro ano desponta, que a gente se dá conta do que fez e do que deixou de fazer. Mais experientes, cada um passa a dar maior valor ao tempo, sempre implacável!

O tempo é rio silente

Noite e dia a deslizar

E passa tão mansamente

Que a gente nem vê passar.

O tempo passa. É Natal. Surge o réveillon, vem o carnaval e assim vai até chegarem outros natais e outros carnavais. Na avaliação que fazemos honestamente para nós mesmos, sempre há momentos de tristeza e de alegria. De ganhos e de perdas.

Basta pintar a Corrida de São Silvestre para cada um, a seu modo, olhar pelo retrovisor e correr para fazer um balanço de como gastou as energias durante o ano que se foi. E, importante, como recarregar as baterias para os desafios do novo ano. Tristezas e alegrias são temperos que dão força e ajustam nosso corpo e alma para tantas pelejas.

A vida senta-se à mesa

Das alegrias, porém

Vai temperando a tristeza

Com o sal que as lágrimas têm.

Vale pedir licença ao poeta das Gerais para evocar outro poeta, também trovador: Fernando Pessoa. O poeta d'Além Mar ensina que viver é muito mais do que acabar e começar um novo ano. É garimpar todos os dias estrelas.

Sonhe com as estrelas, apenas sonhe...

Elas só podem brilhar no céu.

Não tente deter o vento,

Ele precisa correr por toda parte...

Ele tem pressa de chegar, sabe-se lá aonde.

As lágrimas? Não as seque,

Elas precisam correr na minha,

na sua, em todas as faces.

O sorriso!

Esse você deve segurar.

Não o deixe ir embora, agarre-o!

Procure seus caminhos,

Mas não magoe ninguém nesta procura.

Arrependa-se, volte atrás,

Peça perdão!

(...)

Portanto, viver é não deter o vento. É sonhar, às vezes, chorar. Muitas vezes, sorrir. Viver é, sobretudo, não se entregar e se arrepender quando precisa. Perdoar sempre.

Chegou 2022! Ano em que Brasília completa 62 anos, tempo de eleições renovadoras no Brasil, em outubro vamos comemorar os 200 anos de nossa Independência e antes do Natal deste ano saberemos se conquistamos ou não o hexacampeonato na 20ª Copa do Mundo do Catar. Vale entender bem este momento. Há que navegar em dias de luzes e fé. O livro roseano Grande sertão marca o tempo da caminhada: "Quem elegeu a busca não pode recusar a travessia".