Tensão

A quinta-coluna

Durante quase um século, as Forças Armadas brasileiras viveram as tensões políticas de uma república em formação e consolidação, sempre impactadas por disputas ideológicas uterinas e por eventos externos que mudaram o mundo

OTÁVIO SANTANA DO RÊGO BARROS General de divisão da Reserva
postado em 05/01/2022 06:00
 (crédito: Ed Alves/CB/D.A Press)
(crédito: Ed Alves/CB/D.A Press)

Durante quase um século, as Forças Armadas brasileiras viveram as tensões políticas de uma república em formação e consolidação, sempre impactadas por disputas ideológicas uterinas e por eventos externos que mudaram o mundo. A linha do tempo é longa. Desde a Proclamação da República até o encerramento do governo militar. Desde a primeira guerra mundial, até a queda do muro de Berlim.

"O perigo marxista-leninista" e suas artimanhas propagandísticas foram determinantes nas tomadas de posição pelos militares. A revolução de 1917, estopim do movimento comunista internacional, se fortalecia e não dava tréguas. Em nosso país, seus emissários detectaram as Forças Armadas como principais adversários. Trabalharam para quebrar o bloco quase monolítico do agrupamento militar. O objetivo era o enfraquecimento como força social e a anulação do papel de instrumento de Estado da Instituição.

Após marchas e contramarchas, chega-se ao final dos anos 1980, com o Ocidente democrático suplantando a rigidez comunista liderada pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). A debacle ocorreu em dezembro de 1991, quando Mikhail Gorbachev renunciou ao cargo de presidente, dissolvendo a união de países que se rivalizara com o Ocidente.

Um pouco antes, Henry Kissinger liderou a retomada das relações diplomáticas entre a República Popular da China e os Estados Unidos da América, descortinando o mundo democrático ao colosso comunista. Em 50 anos, a China construiu-se como polo divergente à águia americana. É uma potência com capacidade militar vigorosa, maior população da Terra e crescimento econômico capaz de torná-la a economia mais poderosa do mundo.

Neste ambiente de final do século 20 e início do século 21, a sociedade brasileira viu a transição do regime militar ao regime civil, uma nova constituição, o controle da hiperinflação e sucessivos presidentes com diversidades políticas. Ao mesmo tempo, o estamento militar recolheu-se no abrigo dos quartéis e reforçou o profissionalismo castrense exigido em contexto de defesa da pátria, operações internas e missões internacionais.

Ainda sofreu novas tentativas de enfraquecimento de sua confiabilidade, por forças ancoradas em um obsoleto passado ideológico. Resistiu pelos valores e tradições, pelo alinhamento aos princípios da hierarquia e disciplina, e pela união de superiores, pares e subordinados. As feridas abertas pelo embate entre os militares e segmentos da esquerda, que durou todo o século passado em doloroso processo, estavam quase cicatrizadas.

Infelizmente, neste momento, se observa a ação de uma quinta-coluna, representada por agentes políticos da direita extremada, buscando criar uma cunha na cidadela militar. Eles utilizam, como ferramentas de justificação, o sindicalismo de ocasião e a impostura de uma ideologia com sinal trocado. Um alerta, à sociedade, para os vários conceitos de liberdade que ambos os extremos defendem.

O mundo caminha para novas confrontações. As bandeiras que tremulavam na guerra fria se unem e se repelem ao sabor dos interesses nacionais. Elas lutam por hegemonia militar, tecnológica e econômica. Por domínio geopolítico. Por poder. É a armadilha de Tucídides se conformando, mais uma vez, em contexto internacional.

Aqui, o campo de batalha tem outras configurações. Utilizar as Forças Armadas como peões sacrificáveis nesse tabuleiro político servirá apenas aos desígnios dos opostos em luta pelo poder. A propósito, o dilema de envolver forças armadas em política preocupa igualmente outros países. Há duas semanas, o jornal The Washington Post publicou um artigo de opinião, assinado por três generais da reserva, no qual abordam a perspectiva de um "caos letal" no estamento militar americano caso a extrema direita trumpista seja derrotada nas eleições de 2024 (https://www.washingtonpost.com/opinions/2021/12/17/eaton-taguba-anderson-generals-military/).

A opção que se apresenta às Forças Armadas brasileiras é revigorar a postura dos últimos anos: fortalecimento do moral dos recursos humanos, reequipamento no estado d'arte, perseguição de uma estratégia alcançável, comunicação silenciosa e confiança serena nas lideranças fardadas. E a nossa sociedade deve agir para compreender e acolher os anseios dos fardados, reconhecer o exemplar desempenho das Forças Armadas, não abdicar do controle sobre elas com foco nas missões legais e, por fim, protegê-las contra os antagonistas e antagonismos de todos matizes e intenções. Paz e bem!

 

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