Por MAURÍCIO ANTÔNIO LOPES
Pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa)
Apesar de ainda sofrer os efeitos da pandemia, a agricultura brasileira encerrou o ano de 2021 dando mostras de vitalidade em duas frentes importantes — na velocidade de recuperação de empregos e na atração de jovens mais qualificados. Dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) mostram que chegamos ao terceiro trimestre de 2021 com uma população ocupada na agricultura, pecuária, produção florestal, pesca e aquicultura que chegou a 9 milhões — ante os 8,5 milhões registrados no terceiro trimestre de 2019.
Além de liderar o ritmo de geração de empregos dentre dez atividades analisadas pelo IBGE, o campo está ficando também mais jovem e escolarizado, de acordo com resultados da consultoria IDados, obtidos a partir da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, que mostra termos alcançado o maior número de trabalhadores rurais com até 29 anos — 2,2 milhões. Recorde que ajudou a dobrar, em nove anos, o número de trabalhadores na agricultura com pelo menos ensino superior incompleto.
Ainda não existem estudos que expliquem o ritmo mais acelerado de geração de empregos, renovação e melhor qualificação dos trabalhadores do campo quando o Brasil ainda sente os impactos da crise sanitária. No entanto, é possível especular que a natureza essencial da produção de alimentos, com atividades desenvolvidas principalmente em áreas abertas, tornou a agricultura menos suscetível aos impactos da pandemia e mais visível para a sociedade. Ademais, a elevação da demanda por alimentos, em âmbito global, aqueceu preços e ampliou oportunidades de emprego no campo.
A ampliação do acesso ao ensino superior nas últimas décadas contribui para a elevação da oferta de profissionais mais qualificados, muitos atraídos para o agronegócio, que passa por substancial modernização no Brasil. Modernização explicada por automação, incorporação de insumos e processos avançados, além de práticas gerenciais mais coerentes com as demandas de consumidores mais informados e exigentes. E por ter alcançado a posição de grande exportador de alimentos, o Brasil se vê também exposto a mercados muito competitivos, o que estimula a profissionalização da sua agricultura.
Uma pesquisa realizada pela Associação Brasileira de Marketing Rural e Agronegócio (ABMRA), em 2017, ouviu 2.835 agricultores em 15 estados de todas as regiões do país, e verificou que a idade média dos produtores rurais é decrescente, de 46,5 anos, que é 3,1% menor que no estudo anterior, realizado em 2013. E 21% desses produtores têm curso superior, especialmente agronomia (42%), veterinária (9%) e administração de empresas (7%). A pesquisa verificou ainda que a presença da mulher em funções de decisão nos empreendimentos rurais vem crescendo de forma substancial em anos recentes.
Tais constatações nos mostram que a agricultura do Brasil tem alta capacidade de se reinventar e se ajustar para um futuro que demandará bom balanço entre profissionais mais maduros e experimentados e profissionais jovens, bem formados e interessados em fazer carreira no campo. Essencial, também, será a disponibilidade de indivíduos com habilidades empreendedoras e colaborativas, além de ambição e valores convergentes com aqueles priorizados pela agenda do desenvolvimento sustentável, que define cada vez mais as prioridades da agricultura e do sistema alimentar em todo o mundo.
Já nos damos conta de que a substituição de preocupações predominantemente econômicas por preocupações ambientais e sociais irá moldar a agricultura do futuro, tanto pela decisão de uma sociedade mais urbana, informada e exigente, quanto pela pressão de investidores mais conscientes, que forçarão empresas e negócios a buscar sintonia com a sustentabilidade. Uma agricultura renovada e sintonizada com a agenda global de desenvolvimento será essencial para que o Brasil ocupe posição de destaque em mercados cada vez mais centrados em investimentos sustentáveis.
Mas a superação de passivos associados ao desmatamento e à expansão exagerada de monoculturas ainda é necessária para acelerar a atração de tais investimentos. A expansão de uma agricultura mais diversificada e sistêmica, com modelos de produção integrada, associados a marcas-conceito, como "carne carbono neutro" e "soja baixo carbono" —desenvolvidas pela Embrapa — além de maior disseminação do uso de bioinsumos e bioprocessos de baixo impacto, são bons exemplos de avanços que atrairão investimentos sustentáveis para o país.
O Brasil é também um dos poucos países com possibilidades de contribuir de forma concreta para a descarbonizarão de indústrias importantes, na área de energia, química e materiais, que poderão, associadas a uma agricultura de biomassa, transitar de modelos de produção de base fóssil para produção de base renovável, de baixa emissão. Oportunidade de bem posicionar a agricultura no cumprimento das metas de mudança climática do Acordo de Paris, que exigirá crescimento dos mercados voluntários de carbono em 15 vezes até 2030 — e 100 vezes até 2050 — a partir dos níveis de 2020.
Uma agricultura renovada e mais permeável à agenda global de desenvolvimento poderá abrir caminhos novos e até inusitados para o Brasil — como a produção de "safras de carbono", com ganhos nas dimensões econômica, ambiental e de imagem perante um mundo cada vez mais ávido por sustentabilidade.
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