Depois de quase dois anos letivos inteiros sem aulas presenciais por causa da crise da covid, grandes desafios se apresentam à educação em 2022. Afinal, com a reduzida conectividade, falta de equipamentos e livros em domicílios de alunos oriundos de famílias vulneráveis, não ocorreram apenas perdas significativas de aprendizagem na educação básica, mas um aprofundamento das desigualdades educacionais previamente existentes.
As escolas particulares ficaram menos tempo fechadas, e nelas o acesso dos alunos à conectividade e material para estudo foi expressivamente maior. Além disso, a presença dos pais, muitos em teletrabalho e a adequação do ambiente para uma aprendizagem mais efetiva permitiram certa redução das insuficiências educacionais.
O cenário nas escolas públicas, onde estudam cerca de 81,4% dos alunos de educação básica, foi bem diferente. Apesar da vacinação dos professores, com duas doses, o que poderia permitir uma reabertura segura das escolas no final do primeiro semestre ou no início do segundo, muitos prefeitos, na falta de uma coordenação nacional da resposta educacional à covid-19, não fizeram os investimentos necessários na infraestrutura das escolas ou na necessária contratação de professores. Isso retardou ainda mais a volta ao presencial.
Não é por acaso que o último Enem teve tão poucos inscritos. Com a dificuldade de aprender em casa sem conectividade ou equipamentos, somada ao desengajamento de um processo extremamente desafiador e à pressão por trabalhar, muitos alunos desistiram de prestar o exame. Além disso, com a cruel punição aos beneficiários da isenção da taxa de inscrição que não compareceram à prova em janeiro, mês de pico da pandemia, outros tantos pararam de se preparar. Quando a justiça derrubou a decisão do MEC, já era tarde demais. Com isso o potencial de acesso de jovens mais vulneráveis ao ensino superior se reduziu de maneira importante.
Nesse contexto, no ano de 2022, teremos que tornar equidade uma obsessão e enfrentar a crise de aprendizagem que acometeu a todos, mesmo que de maneira desigual. Para tanto, precisamos estruturar um sistema sólido para recuperar as aprendizagens perdidas, ao mesmo tempo em que avançamos na implementação da Base Nacional Comum Curricular que, apesar de prevista na Constituição, o Brasil levou tanto tempo para elaborar e depois converter em currículos estaduais e municipais.
Afinal, os países que contam com bons sistemas educacionais contam, todos eles, com currículos nacionais ou, no caso do Canadá, provinciais. Só com uma definição clara do que se deve aprender, podem-se assegurar direitos de aprendizagem para todos, como estabelece o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 4, de que o Brasil é signatário, comprometendo-se, assim, a assegurar educação inclusiva, equitativa e de qualidade para todos.
Mas há outro desafio para 2022 que precisa ser enfrentado na educação básica: a implementação do Novo Ensino Médio. O Brasil vinha, até a pandemia, apresentando melhoras em aprendizagem no ensino fundamental 1 a cada edição da prova nacional aplicada a cada dois anos e, nas últimas cinco, também no fundamental 2. Mas o ensino médio vinha estagnado num patamar baixíssimo. Em 2019, finalmente, houve uma melhora digna de ser celebrada, resultante tanto da chegada a essa etapa de escolaridade de alunos que se beneficiaram, entre outros avanços, de um ano a mais no ensino fundamental, quanto do aumento de escolas de ensino médio em tempo integral.
O Novo Ensino Médio, aliás, lida com dois fatores que fazem da nossa educação secundária um exemplo negativo entre países de mesmo nível de desenvolvimento: excesso de disciplinas e limitação na jornada escolar. São 13 matérias comprimidas em cerca de 4 horas e meia de aulas.
Em 2022, a primeira série do ensino médio começa a ser regida pela lei que estabelece que o aluno terá progressivamente mais tempo de aula e a possibilidade de escolha de áreas de aprofundamento, como nos países com bons sistemas educacionais. Não será fácil para redes públicas e escolas particulares, com uma operação logística complexa num ano já bastante desafiador, mas valerá o esforço, afinal, somos o 12º país em PIB e não podemos pensar pequeno.
É bom lembrar também que completamos neste ano 200 anos de independência e que soberania nacional se concretiza com uma sociedade coesa, educada para a autonomia e para a cooperação na solução dos problemas complexos que teremos que enfrentar neste século.
Claudia Costim é Diretora do Centro de Políticas Educacionais da FGV e professora visitante da Faculdade de Educação de Harvard
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