Visão do Correio

Remédio antigo e sem futuro

Correio Braziliense
postado em 24/01/2022 06:00

Considerada um remédio amargo para a economia, e não sem motivo, a armadilha das taxas de juros ganhou dimensão em um cenário arriscado para os brasileiros no ano de eleições, mas, apesar disso, passa despercebida na discussão sobre os problemas que o país terá de enfrentar. O estouro da meta de inflação em 2021, que fez o Banco Central turbinar o custo do crédito, obrigou o presidente da autoridade monetária, Roberto Campos Neto, a se justificar em carta ao ministro da Economia, Paulo Guedes, presidente do Conselho Monetário Nacional (CMN). Contudo, a satisfação não foi endereçada, como deveria ter sido, à população.

O CMN foi criado para se responsabilizar pela criação e regulamentação das normas e diretrizes de funcionamento do Sistema Financeiro Nacional e tem o BC como executor e fiscalizador dessas regras, assegurando o respeito das instituições financeiras à legislação. É o conselho, com participação do próprio presidente do banco, do ministro da Economia e do secretário especial de Fazenda, que determina todo ano as metas de inflação a serem perseguidas.

Na carta emitida por Campos Neto, é como se a autoridade monetária se postasse diante do espelho, convencida de sua inocência diante de inevitáveis efeitos da covid-19, e de uma inflação que classificou como "importada". Outro argumento na linha de quem sustenta não ter participação alguma na conjuntura são frias constatações de que a piora das contas públicas levou a "questionamentos" de investidores sobre o futuro e, com eles, a perspectivas desfavoráveis para a inflação e os juros.

A vida da nação já foi governada durante diversos momentos críticos da economia por inflação descontrolada, corte de zeros em moedas, congelamento de preços e confisco de poupança. Desde julho de 1994, o Plano Real trouxe estabilidade essencial à economia, entretanto, quase 28 anos depois, a inflação sai da caixa de memórias, pela segunda vez, e traz com ela um outro mal para a economia. Na recessão de 2014/2016, a mesma armadilha dos juros sacudiu o governo.

Com repercussão, em geral, acima da taxa Selic, que remunera os títulos do governo negociados no mercado e serve de referência para as operações nos bancos e no comércio, os juros chegam à ponta pressionando os custos dos serviços financeiros, a exemplo de empréstimos bancários, dos cartões de crédito e de uma série de modalidades de crédito, em prejuízo para o consumo e os investimentos do setor produtivo. O custo do controle da inflação tem efeitos dramáticos para o Brasil, sobretudo em momento de economia já desaquecida.

No pico dos casos de contaminação pelo coronavírus, em meados de 2020, a taxa básica de juros havia chegado a 2% ao ano, e o sinal dado pela autoridade monetária era de que as taxas permaneceriam nesse ritmo por período extenso. No entanto, logo a inflação exibiria seu fôlego, tendo encerrado aquele ano em 4,52%, então acima da meta de 4%. Por uma "surpresa", como alegou Campos Neto — algo difícil de ser explicado —, o sinal foi trocado pelo aperto monetário no primeiro trimestre de 2021, quando os juros voltaram a subir. Em dezembro, a Selic atingiu 9,25% ao ano, sem ter evitado que a inflação medida pelo IPCA atingisse 10,06%, quando se esperava que o BC entregasse o indicador dentro da meta de 3,75%, com tolerância de 1,5 ponto percentual para mais ou para menos.

Tão nocivo quanto tornar mais caros investimentos necessários para a geração de emprego e renda é alimentar o sufoco financeiro das famílias, revelado nos altos níveis de endividamento. Dados mais recentes indicam que, em dezembro último, 76,3% das famílias brasileiras haviam contraído alguma dívida, percentual mais alto da história do levantamento de dados da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). Trata-se do maior nível de endividamento médio em 11 anos no país.

A carta da autoridade monetária justificando os juros peca, ainda, pela falta de demonstração de empenho do governo em fazer a sua parte no controle da inflação. A reversão das tais expectativas do mercado financeiro depende, ao menos, do controle dos gastos públicos e de atitude responsável no comando do país. Nas entrelinhas do documento, nota-se mais um apelo do que uma cobrança para outro fator importante: que as reformas administrativa e tributária voltem a andar.

 

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