Opinião

Petronio Portella: Neoliberalismo e estagnação

PETRONIO PORTELLA FILHO - Doutor em economia pela Universidade de Campinas (Unicamp), é consultor concursado do Senado

Entre 1940 e 1980, o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil cresceu, em média, 7,33% ao ano comandado pelo investimento público. Mas, a partir dos anos 1980, as políticas "estatizantes" foram substituídas pelo neoliberalismo, doutrina que passou a ser aplicada com radicalismo crescente. O crescimento econômico foi se tornando lento até estagnar. O PIB cresceu 0,3% ao ano desde o impeachment (2016-2021).

Analisemos o que é, na verdade, o neoliberalismo. Ele é uma doutrina que defende que o Estado, diante das questões econômicas, permaneça inerte e seja refém das expectativas do setor privado. Na visão neoliberal, a principal função do presidente do Banco Central é acalmar o sistema financeiro. Acalmar é eufemismo para agradar; os banqueiros só ficam "calmos" quando fazem o que eles querem. E a principal função do ministro da Economia é estimular investimentos privados — outro eufemismo para a distribuição de regalias.

O neoliberalismo defende que o Estado desista de interferir na economia e se torne um estimulador do mercado. Ele se tornou hegemônico porque agrada aos donos do poder. O neoliberalismo é a doutrina do empoderamento dos poderosos.

Existem várias tonalidades de neoliberalismo. Está na moda o ultraliberalismo, que pode ser resumido em cinco palavras: mercado máximo e Estado mínimo. Ele defende que tudo seja privatizado, inclusive o funcionalismo público. Os direitos trabalhistas devem voltar a ser o que eram no século 18: inexistentes. O ultraliberalismo é o empoderamento extremo dos poderosos.

Essa é a ideologia dos ministros da Fazenda desde 2014, quando Dilma entregou a Fazenda ao Chicago boy Joaquim Levy. De lá para cá, são sete anos em que a economia esteve sempre sob o comando de um ministro ultraliberal — dois treinados por Chicago e um banqueiro.

O impeachment botou em pauta uma agenda de reformas, baseada na idolatria ao mercado e na demonização do Estado. À medida que os anos passam e as reformas são implantadas — e não funcionam —, novas e mais radicais reformas são propostas. Henrique Meirelles aprovou uma reforma trabalhista que destruiu a CLT, depois, botou na Constituição um teto de gastos que é, na verdade, um esmagador de gastos. Paulo Guedes, por sua vez, tenta aplicar no Brasil o ultraliberalismo de Chicago que, segundo ele, "transformou o Chile numa Suíça".

Guedes mentiu sobre o Chile, e mentiu muito. Em artigo publicado no site da Alesfe e no Correio Braziliense, Chilenos finalmente repudiam a Constituição de Pinochet, apresentei os dados do gigantesco fracasso das reformas de Chicago no Chile. O artigo é fácil de achar no Google. Ele mostra que Pinochet devolveu o Chile aos civis com inflação elevada, duplicação do percentual de pobres e apenas 59% da renda per capita mundial.

O ultraliberalismo não é compatível, no longo prazo, com a democracia. Cedo ou tarde, a maioria percebe que a qualidade de vida piorou. O povo reage ao alto desemprego e ao aumento abusivo de preços pelas estatais privatizadas. Então, as eleições se tornam um óbice à sobrevivência do ultraliberalismo.

Assim sendo, depois que as reformas revogarem tudo o que for de direito, inclusive a Lei Áurea; depois que privatizarem tudo, só vai faltar uma reforma: "modernizar" a Constituição eliminando as eleições. Pois, àquela altura, o único direito que vai restar aos trabalhadores é o direito ao voto.

Quando Jair Bolsonaro ataca o processo eleitoral, ele não está sendo insano.Está defendendo a sobrevivência do ultraliberalismo de Guedes. Pois é difícil conseguir, em eleições livres, que os eleitores votem pela continuidade da doutrina que botou o Brasil numa trilha de retrocessos econômicos, sociais e políticos.

O ano de 2022 é de eleições presidenciais. Entre os candidatos, o que mais se opôs ao neoliberalismo foi Ciro Gomes. Ele é autor de três livros atacando o neoliberalismo, dos quais destaco Projeto nacional. Mas Lula, o candidato que lidera as pesquisas eleitorais, também tem criticado o teto dos gastos e a idolatria ao mercado. A eleição de um ou outro seria importante para salvar o Brasil da armadilha ultraliberal. Como bem ensinou Keynes, o combate ao desemprego e à recessão exige mais Estado e não menos Estado.

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