OPINIÃO

Artigo: O fôlego da 'besta'

Com a falta de cerimônia que tem caracterizado suas aparições em eventos, o destempero e a credibilidade afetada por sucessivas gafes em público, o ministro da Economia, Paulo Guedes, pintou a inflação alta como problema mundial e uma "besta fora de controle". No afã de eximir o governo da responsabilidade sobre os aumentos persistentes dos preços, Guedes deixa às claras o desconforto do Palácio do Planalto, em ano de eleições, com a frustração na economia capaz de influir na chance de o presidente Jair Bolsonaro se reeleger.

A aposta política tem risco elevado e gás curto diante da complexa combinação de fatores que pressionam o custo de vida. Não será uma PEC dos Combustíveis medida suficiente para reverter a insatisfação do consumidor com a alta persistente e que vai além da gasolina, diesel e etanol. E, menos ainda, sem a disposição dos governadores de se darem o luxo de perder receitas com o ICMS que incide sobre os preços desses produtos.

De outro lado, a PEC dos Precatórios, que representou a troca da âncora fiscal do teto de gastos públicos — instrumento que atrelaria o crescimento das despesas públicas à inflação —, pela ambição política, tem alimentado as projeções do IPCA entre os investidores, analistas de bancos e corretoras. Isso ocorre na contramão de uma busca responsável por deter os preços. O ambiente de incerteza e tensão constante na República desanima empresas, investidores e pessoas físicas a fazerem planos.

O presidente da República vestiu a camisa de candidato já empenhado em derrotar seus concorrentes expandindo despesas, propondo aumento de salários dos servidores da área da segurança que o apoiam — agora para 2023, pressionado que foi a suspender a reserva de recursos negociada com o Congresso para conceder o aumento já neste ano. Os desequilíbrios fiscais acabam levando à piora das expectativas sobre o desempenho do país e compõem a mistura de ingredientes perfeita para a desvalorização do real frente ao dólar. A moeda brasileira havia perdido 31% de seu valor no terceiro trimestre de 2021, de acordo com estudo da FGV.

De fato, a inflação preocupa vários países, mas o que o ministro Guedes tenta esconder é a posição desfavorável do Brasil. Segundo dados da Trading Economics, consultoria que processa e compara indicadores econômicos de 196 nações, o Brasil enfrentou a terceira maior inflação acumulada em 2021, entre 11 emergentes. O IPCA, indicador oficial medido pelo IBGE, de 10,06%, só ficou atrás da evolução do custo de vida na Argentina (50,9%), e na Turquia (36,08%).

Na Zona do euro, a inflação também surpreendeu e, de acordo com o vice-presidente do Banco Central Europeu (BCE), Luis de Guindos, o aumento não será tão transitório. No entanto, a autoridade monetária está trabalhando para que o indicador fique abaixo da meta de 2% em 2023 e 2024. No Velho continente, há dificuldades na oferta de mercadorias e a energia também encareceu. Os mesmos bancos centrais da Europa e dos Estados Unidos, que, na visão do ministro Paulo Guedes, dormiram no ponto, devem calibrar os juros e estudar medidas, como o fim de programas de injeção de bilhões de euros na economia por meio da compra de títulos públicos.

Nos Estados Unidos, o aumento dos preços no ano passado representou a maior taxa em cerca de 40 anos, de 7%. Peça fraca no jogo, a consequência é que o Brasil será um daqueles países dos quais os investidores vão cobrar prêmios bem maiores para investir em papéis do governo e nas empresas. A tendência é de que os juros mais altos nos EUA e na Europa atraiam recursos para as economias desenvolvidas, e mais estáveis.

O presidente Joe Biden tem feito um discurso firme de combate à inflação nos EUA, agora em um cenário em que surgem boas notícias na redução do desemprego e elevação dos salários. Há preocupação declarada com o novo avanço do coronavírus, diferentemente do que ocorre no Brasil. É uma atitude de encarar o problema, e não de se mover por interesses de ocasião.

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