Opinião

Hélio Angotti Neto: A ciência tem o próprio tempo

Correio Braziliense
postado em 02/02/2022 06:00

HÉLIO ANGOTTI NETO - Secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde do Ministério da Saúde

A ciência de qualidade tem o próprio tempo. A presente crise sanitária nos mostrou que é possível acelerar o desenvolvimento da pesquisa, mas a complexidade do contexto e sua grande mutabilidade, causada por novas variantes do vírus, novas descobertas e soluções inovadoras frustram muitas vezes a possibilidade de alcançar conclusões mais definitivas.

Isso se traduz na falta de consenso ainda presente entre profissionais de saúde e pesquisadores diante de muitas dúvidas e do cenário científico ainda imaturo para certas conclusões. Muita expectativa foi criada acerca das Diretrizes Terapêuticas para covid-19. Uma proposta foi produzida e enviada para análise no Ministério da Saúde, mas não foi aprovada por uma série de fatores.

Até o presente momento, só as vacinas já foram incorporadas no SUS por meio da Conitec. O ideal seria ter medicamentos incorporados para estabelecer diretrizes conforme previsto em lei. Assim, esse medicamento poderia ser fornecido pelo SUS.

Porém as diretrizes ambulatoriais não indicam nenhum medicamento para tratamento no SUS, não contêm orientações de diagnóstico e não demonstram informações sobre seguimento clínico. Além disso, todo o processo de elaboração das diretrizes sofreu vários questionamentos: conflitos de interesses, fragilidade na transparência dos processos, descumprimento de formalidades processuais, possíveis vieses nas referências, fragilidades e inconsistências metodológicas, erros na inserção de dados, baixo poder estatístico de alguns trabalhos e conclusões sem a devida sustentação.

A decisão de não aprovar as diretrizes primou pela lisura e imparcialidade do processo e pelos melhores padrões técnicos e científicos. A Nota foi, então, publicada para deixar transparente tudo o que influenciou a decisão.

Contudo, muitos ficaram insatisfeitos e, ao invés de questionarem com argumentos sólidos, descontextualizaram e distorceram uma tabela, promovendo a narrativa mentirosa de que a Nota afirmaria efetividade de hidroxicloroquina e não efetividade das vacinas. Verdade seja dita, a própria Nota claramente afirma que vacinas tiveram trabalhos publicados demonstrando efeitos positivos.

Quanto à tabela, servia para mostrar assimetrias nos critérios para julgar diferentes tecnologias. Membros da própria Conitec, a comissão responsável por emitir essas diretrizes para aprovação, questionaram a assimetria.

Apesar de o conteúdo da tabela estar certo em seu contexto, uma nova nota foi publicada com sua remoção, demonstrando objetiva boa-fé em deixar as coisas bem claras, sem prejuízo do conteúdo que fundamentou a decisão de não aprovar as diretrizes.

Com certeza, todos gostariam de respostas científicas já estabelecidas para os grandes problemas da pandemia, mas a análise dos dados requer sabedoria para somente tirar conclusões que a boa aplicação da metodologia científica permite. Ademais, espera-se que novas tecnologias sejam incorporadas ao SUS e uma nova tentativa de estabelecer diretrizes seja bem-sucedida.

E como ficamos agora, sem as diretrizes aprovadas? Continuamos com as diversas orientações do Ministério da Saúde que já estão publicadas, aguardamos novas incorporações tecnológicas e acompanhamos novidades no campo científico em busca de soluções e melhores conhecimentos sobre o Sars-Cov-2 e seus impactos sobre o mundo. Acima de tudo, é reconhecido que o diálogo científico precisa prosseguir e que ainda não temos todas as definições que se queria para o momento.

Assim, o Ministério da Saúde prossegue em contínuo e constante esforço, em um contexto de diálogo e respeito à ciência e aos princípios bioéticos, publicando orientações aos profissionais e cidadãos, respeitando o direito de o cidadão acessar o SUS e honrando a dedicação dos profissionais de saúde que, desde o início da pandemia, arriscaram a própria vida no enfrentamento de uma doença aguda, potencialmente letal e ainda pouco conhecida, para que a oportunidade de salvar a vida dos pacientes não fosse perdida.

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